Título: CRISE DOS MÍSSEIS OPÕE EVO MORALES A MILITARES
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 19/01/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 30

Presidente eleito da Bolívia acusa oficiais de traição à pátria. Indígenas receberão ministérios em seu Gabinete

BUENOS AIRES. Quatro dias antes de assumir a Presidência da Bolívia, o líder do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales, fez duras críticas às Forças Armadas de seu país, envolvidas numa crise diplomática desencadeada pelo envio aos EUA de 28 mísseis do Exército boliviano que, segundo informações de chefes militares, foram desativados ano passado por pressão da Casa Branca.

Anteontem, o presidente Eduardo Rodríguez anunciou o afastamento do comandante do Exército, general Marcelo Antezana, que semana passada disse que Washington exerceu forte pressão para que os mísseis fossem desativados antes das eleições presidenciais de dezembro, pois temiam uma vitória de Morales. O presidente também aceitou a renúncia do ministro da Defesa, Gonzalo Méndez.

Ontem, Morales também anunciou sua primeira decisão sobre o Ministério de seu governo. Ele acabará com a pasta para os povos indígenas, dando cargos para os descendentes dos nativos bolivianos.

¿ Aqui, os povos indígenas serão ministros ¿ disse Morales. ¿ Alguém disse que quando nós, os quéchuas e aymaras, estivéssemos no governo, faríamos um ministério dos povos brancos, mas nós não os discriminaremos.

Bolívia pedirá explicações aos EUA

Um dia após revelar os motivos que levaram o Exército a adotar a polêmica medida, Antezana se reuniu com Rodríguez e alterou sua versão dos fatos. No entanto, era tarde demais para impedir a crise.

Ontem, Morales, que às vésperas da eleição participou de um amigável encontro com os militares, pediu que as autoridades civis e militares envolvidas no caso sejam acusadas de traição à Pátria.

¿ Isso não pode ficar assim. Vamos avançar nas investigações, as autoridades judiciais devem entrar em ação e julgar os responsáveis deste caso que se entende como traição à Pátria ¿ afirmou Morales, que em outubro de 2005 denunciou a entrega dos mísseis. ¿ Tínhamos razão quando denunciamos o caso, quando acusamos o ministro da Defesa no Parlamento e quando iniciados um processo contra o comandante-em-chefe das Forças Armadas (o presidente Eduardo Rodríguez).

Em pronunciamento à nação, anteontem, Rodríguez disse que pedirá explicações aos EUA ¿pela suposta participação de funcionários da embaixada americana em La Paz¿ na operação.

¿ É necessário examinar com cuidado e absoluta transparência a atuação de determinados oficiais (americanos) neste assunto ¿ declarou Rodríguez.

Na visão de analistas locais, a atitude do presidente eleito não foi a mais adequada.

¿ Evo poderia apenas ter pedido explicações, mas confrontar os militares neste momento não foi uma decisão inteligente. Ele poderia fortalecer setores que podem tentar prejudicar seu governo ¿ disse ao GLOBO Ximena Costa, professora da Universidade Maior de San Andrés.