Título: GELÉIA IDEOLÓGICA
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Fonte: O Globo, 20/01/2006, Opinião, p. 6
Tentar entender o quadro político da América Latina pelas siglas partidárias e pelos discursos inflamados de campanha é a forma mais eficiente de se chegar a conclusões equivocadas. A vitória de Michelle Bachelet nas eleições presidenciais chilenas, uma política mais à esquerda dentro do partido socialista do Chile, ao mesmo tempo em que assume o poder na Bolívia Evo Morales, líder indígena com promessas inspiradas na esquerda da década de 50, leva a isso, a conclusões equivocadas. Que se tornam ainda mais sem prumo a depender da forma como o analista some Bachelet e Morales com Hugo Chávez, Tabaré Vázquez, Néstor Kirchner e Lula.
A superfície da realidade latino-americana induz ao erro de se considerar o continente inclinado de fato à esquerda. Mas quando se mergulha na realidade objetiva dos países, o cenário é outro, e reforça a conclusão a que já se chegou há muito tempo em outras regiões do mundo: os antigos conceitos de direita e esquerda foram pulverizados pelo avanço da globalização e a falência do ¿socialismo real¿, soterrado pelos escombros do Muro de Berlim.
O Chile de um partido socialista já com longa experiência de poder, em aliança com democratas cristãos, corrói as análises simplistas. Há mais de dez anos, os socialistas ajudam a administrar, sem remorsos, uma economia tornada ágil e moderna por reformas feitas na ditadura de Pinochet, pela tecnologia liberal desenvolvida na Universidade de Chicago. Mais forte que os velhos ranços ideológicos, foi, e tem sido, o enorme êxito do Chile, um país que cresce de forma quase ininterrupta há muito tempo.
O Brasil de Lula não consegue se libertar de dogmas do que se convencionou chamar de esquerda, dogmas favoráveis a um estado intervencionista, arrecadador de pesados e crescentes impostos para o poder público supostamente fazer o bem ¿ na prática, o resultado é outro, sabemos. Pois, apesar desse viés, Lula não pôde desprezar o modelo de metas de inflação e câmbio flutuante, seguido pela maioria dos países desenvolvidos. Capitalistas, por óbvio.
A rigor, a dicotomia não é entre direita e esquerda, mas entre quem é capaz de promover desenvolvimento constante e de forma equilibrada e quem não tem competência, geralmente por devaneios ideológicos, para modernizar seu país.