Título: Mau negócio
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 20/01/2006, Economia, p. 28

O Banco Central resgatou uma dívida que estava ficando barata e emitiu dívida cara; que ficou mais cara ainda ao longo do ano passado. Está comprando reservas numa moeda que tem perdido valor e, para fazer isso, emite dívida cara. Ele pré-pagou a dívida com o FMI, mais barata, e lançou papel no mercado internacional a juros mais altos. O professor Affonso Celso Pastore acha que a política monetária está custando caro ao país.

Quando resgatou dívida cambial, o Banco Central fez um mau negócio porque ela ficou mais barata com a desvalorização do dólar. Com a alta dos juros, o dólar caiu mais ainda. Para evitar novas quedas, comprou dólar para as reservas cambiais e aí ficou com um ativo que rende pouco. Para enxugar o mercado, após a operação de compra de reservas, ele teve que emitir título corrigido pela Selic. Em resumo: o BC tem comprado ativos que se desvalorizam e quitado dívida barata; por outro lado, está assumindo passivos na taxa mais alta do mundo.

O professor Affonso Celso Pastore é insuspeito de querer queda de juros por populismo. É especialista em política monetária e tem defendido rigor nessa política ao longo de sua carreira de economista. Pastore vem dizendo que os juros estão altos demais. Disse-me, na quarta-feira, em entrevista na Globonews, que havia espaço para uma queda de, pelo menos, um ponto percentual. Mas, mais do que um debate sobre essa última reunião, do que ele discorda é da política como um todo.

¿ Não há benefício em acumular reservas num regime como o atual, de câmbio flexível. Na época do Gustavo Franco, havia o risco de um ataque especulativo, mas agora não. Se o Banco Central recompra a dívida a taxas de câmbio que serão mais baixas no futuro, ele está especulando contra o país, produzindo um custo que é alto. As intervenções tinham que ser menos ousadas e os juros mais baixos para minimizar o custo e produzir um equilíbrio mais benéfico. Sou um critico da intensidade das intervenções e da velocidade da queda dos juros. Está sendo cometido um erro que produz custo fiscal alto sem que a sociedade tenha o benefício ¿ comenta Pastore.

Gustavo Franco, outro ex-presidente do BC, acha que a situação é similar à do período dele num ponto:

¿ Agora, como naquela época, o Banco Central está tendo que compensar um trabalho que o resto do governo não faz na área fiscal. A situação fiscal é precária. As contas de déficit público são muito ruins se forem usados os critérios internacionais. Nosso superávit primário é minúsculo diante do nosso problema e isso explica por que o Brasil é campeão mundial de juros. Tem alguma coisa errada. Tem gente que acha que o Brasil poderia ter juros reais de um dígito. Isso seria uma Selic de 14%; também seria alta. Deveria ter juros nominais de um dígito. Mas isso parece distante da realidade. E o Brasil continuaria discrepante da situação internacional para países de mesmo nível de desenvolvimento.

Essa discrepância está fazendo o Brasil crescer menos que o resto do mundo:

¿ O país entrou no ano passado com um carry over que já garantia um crescimento de 1,5%. Acho que os dados finais vão mostrar que o país cresceu 2% e não 2,5%. O resultado disso é que, em 2005, só se acresceu 0,5 ponto percentual ao crescimento. Se o Banco Central permanecer neste mesmo ritmo de redução dos juros nas outras reuniões do primeiro semestre, vai chegar ao fim do ano com 15%, o que é muito alto para uma inflação de 4,5%. A fonte do crescimento é a aceleração dos investimentos, que está sendo limitada pela taxa de juros. Minha impressão é que a velocidade da recuperação da atividade econômica está comprometida pela redução tímida da taxa de juros ¿ diz Pastore.

Gustavo acha que o desequilíbrio fiscal é o erro principal e disso decorre o erro secundário, que é a superdosagem nos juros:

¿ A política fiscal enfrenta um empate entre os ministros Palocci e Dilma. Só vai se fazer um ajuste fiscal mais rigoroso quando o ministro da Fazenda ganhar essa parada e isso não vai acontecer no atual governo.

Um dos resultados negativos de juros tão altos é o excesso de valorização do real. Gustavo Franco, sempre criticado pelo câmbio sobrevalorizado da primeira fase do real, diz que se repete agora um dilema:

¿ É parecido. Na minha época, o preço do dólar caiu porque o mercado estava superofertado. Tive que usar soluções pouco usuais para reduzir a entrada de capitais. Hoje o problema é o saldo comercial que, de tão grande, virou um problema. A solução é soltar as importações. Mas o protecionismo aumentou muito desde 99.

Pastore acha que o câmbio, na época de Gustavo Franco no BC, era totalmente diferente. ¿Era da família do câmbio fixo.¿ A situação mundial também era outra:

¿ A conjuntura internacional empurra as exportações para cima. Nos últimos três meses do ano passado, o superávit mensal era compatível com um superávit de US$50 bilhões. A política do Banco Central atrai capitais de curto prazo. Tudo isso tende a valorizar o câmbio. O BC reage com intervenções. Ele comprou desde o início destas últimas intervenções US$15 bilhões no spot e US$10 bilhões de swap reverso só no mês passado. Cada uma dessas ações tem um custo fiscal muito grande.

Pastore está de acordo é com a crítica do secretário do Tesouro às projeções do mercado:

¿ Concordo com a observação pela qual Joaquim Levy levou um puxão de orelha. Há três números na pesquisa Focus: taxa de juros a 15% no fim do ano, crescimento de 3,5% e inflação de 4,5%. Uma dessas três hipóteses está errada. Se os juros terminarem o ano em 15%, não haverá crescimento de 3,5%.