Título: Passos brilhantes
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 21/01/2006, Economia, p. 18

Elas são belíssimas e têm um andar característico: pisam forte, com a perna avançando antes do corpo. Isso dá mais movimento à roupa. Hipnotizam o público e a mídia. Os dois maiores eventos de moda do Brasil, Fashion Rio e São Paulo Fashion Week, são um absoluto sucesso. Atrás do efêmero brilho das passarelas, está um negócio cada vez mais robusto; que vende, exporta e emprega.

A explosão de criatividade que se vê nas passarelas indica que o Brasil está muito atrás do que poderia em termos de espaço no mercado internacional para sua moda. O país é apenas o 13ºexportador. Os dados brasileiros não confirmam, mas o Export Bureau traz na sua página de Fashion Global Industry Trade Statistics que o Brasil, nos últimos dois anos, passou a ser o primeiro em roupa de praia.

A grife de moda praia Rosa Chá é uma dessas que já se consolidaram no exterior e, há cinco anos, tem feito desfiles em Nova York:

¿ Há cerca de oito anos estamos no mercado externo. Começamos com algumas distribuidoras em Nova York e em editoriais de moda nas revistas. Quando começamos a fazer os desfiles em NY, foi para tentar acelerar um processo de internacionalização que já estava acontecendo ¿ conta Amir Slama, estilista e dono da grife.

Hoje os produtos da Rosa Chá são distribuídos em 150 multimarcas no exterior, em todos os continentes, em países como Líbano, Portugal, Espanha, França, Japão. Tem também duas franquias, em Miami e Lisboa. No começo, faziam uma modelagem diferente para o mercado externo; agora, conta Amir, está ficando bem parecida. O consumidor de outros países tem escolhido a modelagem brasileira.

Este ano, o Fashion Rio permitiu negócios de R$304 milhões e US$11 milhões em exportação; o volume de vendas cresceu 20%. Desfilaram 31 marcas. No Rio Moda Hype, o espaço dos novos talentos, foram 12 grifes.

A moda está ganhando força. Para se ter uma idéia, o valor agregado da indústria no Rio aumentou 18% no produto vendido aqui e 39% na exportação, em um ano, segundo conta da Firjan. Isso, em parte, porque o Rio está deixando de fazer apenas commodity para vender produto de maior valor. Vestido, por exemplo, passou a ser um item importante na pauta de exportação do setor no estado.

Os desfiles são a parte mais visível da indústria da moda. São apenas alguns minutos, mas definem o sucesso ou não do negócio.

¿ Não dá para estar fora do evento. É através do desfile que a marca se apresenta, faz negócios, entra na agenda das lojas, expõe-se à mídia ¿ diz Alexandre Aquino, da Maria Bonita.

Quem vê o glamour não atina a trabalheira que isso dá. A tarefa é complexa, arriscada e demorada:

¿ A vantagem do desfile é que ele consolida o calendário. Para esse desfile feito agora, da moda de inverno, compramos os tecidos em outubro, novembro; apresentamos em janeiro; entregamos em abril, maio. É um calendário de seis meses, cada coleção. No Brasil, o calendário é curto; na Europa e nos Estados Unidos, é de pelo menos nove meses ¿ diz Aquino.

O Brasil está cada vez mais inserido na moda mundial. Não apenas porque os eventos daqui já estão no calendário da moda internacional, como várias marcas têm estado presentes nos maiores eventos dos Estados Unidos e da Europa. Atualmente, 57 empresas do setor no Rio já estão exportando.

Participar de um desfile custa caro, alguns cálculos são de que é um investimento de R$100 mil a R$300 mil. Há muitos patrocínios de outros setores interessados atenuando esse custo. A indústria têxtil quer vender os tecidos, a indústria gráfica quer explorar o filão dos catálogos, os organizadores querem repetir o evento. Todos se juntam diminuindo o custo da grife. Mas, uma vez lá, a empresa tem diante de si a chance de uma grande exposição de mídia e representantes de cinco mil lojas de multimarcas no país, falando apenas das grandes. Só para ter a mesma exposição na mídia, se fosse em publicidade, custaria dez vezes mais.

Um desfile da mineira Vide Bula pode chegar a custar R$500 mil. Ela desfila apenas na São Paulo Fashion Week e prefere essa semana de moda a eventos fora do Brasil, apesar de já ter negócios com nove países, entre eles, Austrália e Nova Zelândia e até os Emirados Árabes.

¿ O espetáculo é importante, mas é fundamental fazer negócio ¿ diz Ricardo Sahd, da Cholet, que veio do Ceará para bater um recorde logo na estréia: vendeu 16 mil peças para clientes externos; foram 600 mil euros.

Este setor, como todos os outros, enfrenta várias barreiras no Brasil. A pior delas: os juros altos. Alexandre Aquino conta que há uma dificuldade no financiamento:

¿ Uma fábrica de parafusos pode dar o prédio e as máquinas como garantia. Nós temos ativos, mas eles são intangíveis. Temos os tecidos que compramos, no qual investimos muito capital, temos o nome da marca, a criatividade, a capacidade de fazer negócios, mas nada disso é aceito como garantia. Gastamos dinheiro na reforma das lojas, mas elas são dos shoppings. Isso faz com que o setor inteiro tenha que operar com empréstimos de curto prazo.

Um assunto para o BNDES pensar, quem sabe.

Os desfiles estão cada vez mais lindos, mas há apenas um ponto estranho. Salta aos olhos de quem quer ver que, para um país multiétnico, não é natural a quase unanimidade branca nas passarelas. Às vezes, em uma ou outra marca, aparece uma negra desfilando. Numa revista de moda desta semana, uma reportagem sobre os desfiles tinha trinta fotos; nelas, só havia uma negra. Há momentos em que parece o desfile de moda de um país escandinavo. Um erro, afinal, negras também são belíssimas e brasileiríssimas.