Título: SOBRA DE CAIXA: TODO MUNDO DE OLHO EM R$2,1 BI
Autor: Martha Beck e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 21/01/2006, Economia, p. 19
Reajuste do salário-mínimo e correção da tabela do IR não são as únicas opções para esses recursos do Orçamento
BRASÍLIA. A negociação entre governo e trabalhadores em torno do reajuste do salário-mínimo e da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é mais complicada do que parece. A falta de acordo sobre esses temas reflete uma disputa acirrada entre diversos ministérios por uma sobra de R$2,150 bilhões no Orçamento. O quadro fica ainda mais difícil considerando que 2006 é um ano eleitoral, período em que as pressões por gastos ficam maiores.
¿ Em ano eleitoral, até os que reclamam da carga tributária no Brasil pressionam pelo aumento das despesas ¿ afirmou uma fonte da equipe econômica.
Inicialmente, a sobra de caixa era de R$3 bilhões, mas como o governo perdeu a disputa com o Congresso sobre o Simples e foi obrigado a corrigir as faixas de faturamento das empresas que se enquadram nesse regime tributário, na chamada MP do Bem, houve uma renúncia de R$850 milhões, o que reduziu a sobra de recursos para R$2,150 bilhões.
Esse dinheiro vem de um equívoco cometido pelo próprio governo que, ao elaborar a proposta orçamentária de 2006, considerou que a maior alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física cairia de 27,5% para 25% em 2006. Mas como a alíquota mais alta foi mantida, houve uma sobra que o governo se comprometeu a usar com medidas de desoneração.
¿ O problema é que tem gente demais querendo. De um lado estão os ministros da Fazenda e do Planejamento. Do outro, todo o resto ¿ disse a fonte.
Além do salário-mínimo e da tabela do IR, estão na lista de pedidos as medidas propostas pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, na MP do Bem 2, como a isenção de impostos para a construção civil e para mais produtos da cesta básica. O problema é que, somadas, as medidas ultrapassam em muito a sobra que o governo está disposto a usar, apesar de a arrecadação de 2005 ter ficado em R$364 bilhões ¿ 5,65% a mais sobre 2004.
Uma das propostas é reduzir o IPI do cimento
Um dos pedidos que estão na mesa é a redução a zero da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o cimento, que hoje é de 4%. Pelos cálculos do governo, essa medida representa uma renúncia de quase R$500 milhões. Já no caso da tabela do IRPF, se a correção for de 8% ¿ como está sendo negociado com as centrais sindicais ¿ o impacto nos cofres será de R$1,1 bilhão.
Quanto ao salário-mínimo, tudo depende de quando o novo valor passará a vigorar. Se subir de R$300 para R$350 e começar a valer em abril, o custo será de R$5,6 bilhões. Isso significa que, somando todos esses pleitos, o governo teria que abrir mão de R$7,2 bilhões.
Existe ainda o problema do tipo de desoneração que o governo quer fazer. Na visão do Ministério da Fazenda, as melhores medidas seriam as que podem promover a geração de emprego e renda no país. Segundo o técnico da equipe econômica, isso seria obtido caso o governo pudesse, por exemplo, reduzir o PIS/Cofins sobre a compra de bens de capital.
¿ Zerar o IPI para cimento não significa que essa medida vá chegar ao bolso do consumidor. Ela pode servir apenas para aumentar a margem de lucro do fabricante. Além disso, as construtoras já têm margem de manobra para negociar preços menores com os fabricantes. No entanto, zerar o PIS/Cofins para a compra de máquinas e equipamentos tem mais chances de fazer com que uma empresa contrate mais funcionários para aumentar a sua produção ¿ afirmou o técnico.
Para os técnicos da área econômica, o ideal é desonerar o setor produtivo, pois com isso seria atingido um universo maior de contribuintes do que se a opção for pela correção da tabela. O problema é que as pressões dos trabalhadores crescem a cada dia e já chegaram ao Palácio do Planalto. Na próxima terça-feira, o governo volta a negociar com trabalhadores a questão do salário-mínimo e da tabela do IR. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve participar do encontro.
Agricultura e Transportes pleiteiam novos concursos
Além de medidas de desoneração ¿ que contam com o apoio da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff ¿ é forte a demanda por aumento de pessoal via concursos públicos e criação de carreiras novas. Nesse movimento, que atinge praticamente toda a Esplanada dos Ministérios, estão na frente a Agricultura e os Transportes.
O Ministério do Desenvolvimento não concorda com os argumentos da Receita Federal, de que novas medidas correspondem a novas renúncias fiscais. O ministro Furlan tem dito, sempre que pode, que não há renúncia onde não há arrecadação. Segundo ele, quando há redução tributária, as empresas produzem mais e a informalidade na economia diminui.