Título: Segue o jogo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 22/01/2006, O GLOBO, p. 2

Agora que o presidente Lula ameaça tornar-se novamente um candidato competitivo, de acordo com a pesquisa Ibope/IstoÉ, teremos não apenas o estrídulo das oposições ¿ reaquecendo as denúncias e atacando fortemente o giro de Lula país afora, inaugurando obras e anunciando dádivas ¿ mas também a reabertura do velho laboratório eleitoral. É nele que se vai decidir a natureza das coligações, com a votação da emenda que acaba com a exigência de alianças uniformes. Ou verticais.

Algumas possíveis explicações para a recuperação eleitoral de Lula foram alinhavadas aqui, ontem. Elas vão do cansaço do eleitorado com o martelar da crise à desenvoltura do Lula candidato não assumido, agora empenhado em defender o governo, dar combate aos adversários e boas notícias por onde passa. Na semana passada, fez isso em três estados do Nordeste, em Queimados (RJ) e ontem no Acre. Agora, dará mais atenção ao Sul e ao Sudeste, onde as perdas foram maiores. E houve ainda, a favor do governo, o desvio do foco crítico para o Congresso e a desastrosa convocação extraordinária.

Mas a pesquisa Ibope-IstoÉ revelou também um encolhimento dos pré-candidatos do PSDB, José Serra e Geraldo Alckmin. Os tucanos estão perplexos com muitas coisas: com a recuperação de Lula, que davam por morto, com o resultado da enquete do GLOBO mostrando o favoritismo de Alckmin entre as bancadas, e com o tropeço dos dois presidenciáveis nesta última pesquisa. O próprio Serra, diz-se que para não comentar a preferência de deputados e senadores pelo governador paulista, cancelou os compromissos externos de sexta-feira. Tucanos de sangue mais frio admitem, entretanto, que o fogo amigo entre Serra e Alkcmin, alimentado por escudeiros, favoreceu Lula e decepcionou eleitores. Isso certamente houve e talvez algo mais.

O desempenho do ex-presidente Fernando Henrique na pesquisa é esclarecedor. Embora não seja candidato, seu nome foi incluído e ele ficou atrás de Garotinho, com 14% de intenções de voto, numa simulação em que Lula chega a 38%. Isso indica que os entrevistados, apesar dos delitos do PT, do mensalão e do valerioduto, não demonstraram a menor saudade do governo dos tucanos. Quando os mandaram descansar na oposição, os eleitores talvez não pensassem em lhes devolver o governo tão cedo. Teriam que purgar mais. Mas veio a lambança petista e, empurradas pela indignação, as águas correram para Serra. Agora há um refluxo a favor de Lula mas ele continua longe de recuperar o que já teve. Resta saber para onde irão os que não vão se reconciliar com Lula nem admitem a volta dos tucanos. Eles garantem espaço para o surgimento do que o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) chama de ¿um papel à procura de um ator¿, a terceira via. O PMDB poderia, sim, ocupar tal espaço, com Germano Rigotto ou com Garotinho. O PPS e o PDT já admitem apoiar o governador gaúcho, se houver prévias e ele for o vencedor (a executiva ameaça marcá-las na terça-feira). Mas para o PMDB bancar uma candidatura própria, só acabando com a verticalização. Com a regra atual, tal aposta arrebentaria com o partido, que é grande, não foi atingido pela crise mas não passa de uma central de partidos regionais com orientações as mais diversas. Alguém imagina o governador Roberto Requião (PR) suando a camisa por Garotinho ou Jarbas Vasconcelos (PE) em campanha pelo gaúcho Rigotto, tendo para isso que pôr em risco seus projetos de poder regional?

O assunto verticalização é um tanto árido, mas da maior importância. O lamentável é que a regra, virtuosa na intenção de obrigar os partidos a serem mais coerentes nas alianças, não será mantida ou suprimida com o objetivo de aperfeiçoar nosso canhestro sistema eleitoral, mas visando só o resultado das urnas.

Por isso mesmo, Lula não moverá palha, apesar dos apelos que ouviu quinta-feira dos senadores peemedebistas, em favor da emenda que muda a regra. Com verticalização, o PMDB dificilmente terá candidato. Os partidos que vão enfrentar a cláusula de barreira ¿ nove ¿ vão pular fora da disputa presidencial e tratar de eleger bancadas, fazendo alianças das mais diversas cores nos estados. Acabarão restando no páreo Lula e o candidato do PSDB-PFL, mais coadjuvantes como Heloísa Helena ou Cristovam Buarque. Roberto Freire, do PPS, já não fala em ser candidato. Lula quer uma campanha de comparação entre governos, um duelo com o tucano da vez. Se o PSDB quiser o mesmo, o que não o impede de tocar na ferida ética do PT, ganharão os eleitores e a cultura política.