Título: Carreiras cortadas
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 22/01/2006, Economia, p. 27

Doenças do coração, LER e acidentes crescem 23% e aposentam mais de 200 mil por ano

Cinqüenta anos é a idade média em que mais de 200 mil trabalhadores brasileiros ficam inválidos no Brasil. De acordo com estudo inédito da professora e médica do trabalho da Universidade de Brasília (UnB), Anadergh Barbosa-Branco, com base nos números da Previdência Social, foram 228.058 casos em 2004, número 23% superior às 185.298 aposentadorias de 2003. Doenças cardíacas, as osteomusculares (problemas de coluna, de inflamação nos tendões e outros), as mentais (esquizofrenia, depressão) e os acidentes de trabalho são as principais causas encontradas no estudo.

¿ Mesmo que não exista o reconhecimento da relação com o trabalho na esmagadora maioria dos casos, os trabalhadores desenvolvem doenças cardíacas, por exemplo, bem mais cedo. O trabalho tem um papel importante. O calor aumenta a pressão arterial, assim como o estresse ¿ explica Anadergh.

Mas a preocupação principal, segundo a médica, é com as doenças osteomusculares e os acidentes. Nesses casos, a aposentadoria acontece mais cedo. Entre os homens, o abandono precoce do trabalho por problemas de coluna e outros similares acontece aos 47 anos, enquanto nos casos de lesões e envenenamento, a média cai para 45 anos.

¿ Além do dano para o trabalhador, há o custo. Ele pára de contribuir 15 anos antes do previsto.

Gasto anual passa de R$1,7 bilhão

Pelas contas da professora da UnB, o país gastou cerca de R$1,73 bilhão em 2004 para cobrir as aposentadorias por invalidez.

¿ Muitas doenças que incapacitam o trabalhador não interferem no ciclo de vida. Além disso, com os casais optando por ter filhos mais tarde, a pensão continua sendo paga aos herdeiros até os 21 anos. É uma bola de neve do ponto de vista econômico ¿ alerta.

A coordenadora de Benefícios para Incapacidade do INSS, Teresa Cristina Santos Maltez, explica que essa alta de 23% de um ano para o outro tem dois motivos principais. O primeiro é uma política adotada pelo instituto de aposentar os trabalhadores que já estão há muito tempo em auxílio-doença:

¿ Temos trabalhado nesse sentido. Depois de dois anos afastados do trabalho, estamos encaminhando para aposentadoria por invalidez, que pode ser revista a cada dois anos. Não fazia sentido manter o trabalhador fazendo perícias repetidamente.

O segundo fator está ligado à falta de tratamento adequado de doenças crônicas, como as cardíacas.

¿ Muitas pessoas com doenças crônicas não têm acesso ao tratamento adequado no tempo certo. Isso acaba agravando o estado clínico e levando à aposentadoria precoce ¿ diz Teresa.

Norma Souto, médica do trabalho da Previdência Social, afirma que as doenças que aparecem como as mais comuns são também as mais freqüentes na população em geral e que incapacitam para o trabalho:

¿ A hipertensão arterial controlada não afasta do trabalho, mas a falta de tratamento leva a doenças cardíacas, renais, vasculares e aos derrames.

Para a médica, o que chama a atenção é que as doenças são possíveis de se prevenir ou controlar:

¿ Um bom sistema de saúde pública e educação para saúde poderiam amenizar a situação.

Cegueira entre as maiores causas

A cegueira incapacitou 5.585 trabalhadores em 2003. Situação vivida desde 1999 pelo petroleiro Silvio Carvalho Drumond, hoje com 52 anos. Um acidente na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) levou a visão e as pontas dos dedos do operador de transferência e estocagem no dia 27 de julho de 1999. O acidente aconteceu no Parque de GLP. Houve vazamento de gás e Drumond ligou o carro provocando a explosão:

¿ Não percebi o vazamento. A gente acaba se acostumando com o cheiro de gás. Havia um sensor de gás que não estava funcionando. Quando saí do carro, estava cercado por uma cortina de fogo. A única saída foi passar por ela. Queimei 55% do corpo. Passei três meses e 16 dias no hospital e já fiz cinco cirurgias. Até hoje, vivo acompanhado o dia inteiro por uma enfermeira ¿ conta Drumond.

Marcos do Amaral, diretor do Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias, afirma que o acidente de Drumond deixou traumas na equipe.

¿ As pessoas ficam abaladas ao ver o colega assim. Temem voltar ao local. Deixa seqüelas graves.

Giampaolo di Donato, gerente-geral interino da Reduc, diz que depois de 99 não houve outro acidente dessa gravidade na Reduc.

¿ Em 99, houve 17 acidentes com afastamento. No ano passado, apenas dois. Investimos em treinamento e em equipamentos mais modernos que surgiram nesse período de detecção de vazamento, sensores de gás e mais automatização. Os procedimentos são checados e rechecados.

LER E ACIDENTES SÃO OS CASOS MAIS COMUNS PROVOCADOS PELO TRABALHO, na página 28