Título: Fala e não faz
Autor: Miriam Leitao
Fonte: O Globo, 22/01/2006, Economia, p. 28

Antes que comece o evento desta semana em que o presidente da Venezuela fará mais um dos seus shows de populismo, é bom registrar: uma coisa é o que Hugo Chávez diz; outra coisa é o que Hugo Chávez faz. Pelo discurso antiamericano que ele sempre apresenta em eventos como o Fórum Social, que hospedará, não se imagina o volume dos negócios entre os dois países.

Os Estados Unidos não são apenas o principal parceiro da Venezuela, como compram 50% de tudo o que o país exporta e estão muito à frente do segundo cliente, a Colômbia. Dos Estados Unidos, a Venezuela compra 31% do que importa; do Brasil, apenas 9%. São americanos 60% dos investimentos no país. Pelo visto, o lema é ¿inimigos, inimigos, negócios à parte¿. O problema é casar esse esperto pragmatismo com suas atitudes extravagantes. Uma delas: em Mar Del Plata, num encontro de chefes de Estado em que estava o presidente Bush, Chávez se juntou a uma passeata de rua contra o governo americano. Cidadãos fazem passeatas para demonstrar suas preferências ou rejeições; governantes, não. Mais patético é sair de um evento para uma manifestação num momento em que a principal estatal do seu país está aumentando seus negócios com o país contra o qual se protesta.

Essas esquisitices diriam respeito apenas ao povo venezuelano não fosse o apoio deslumbrado que Chávez sempre recebe do presidente Lula. O colega brasileiro disse, recentemente, que na Venezuela não há falta de democracia, mas excesso. Depois escolheu um lado na tumultuada relação dele com a imprensa venezuelana. Há erros dos dois lados. A imprensa chegou a tomar parte num levante contra o presidente, mas Chávez impôs leis coercitivas e chegou até a incentivar suas brigadas bolivarianas a atacar jornais e emissoras de TV. Esse é o tipo da briga para um governante estrangeiro ficar distante. Principalmente se tem a tradição diplomática do Brasil. Lula não apenas meteu-se em assuntos internos venezuelanos, como ofendeu a imprensa brasileira ao dizer, em 17 de dezembro passado, que ela era denuncista e semelhante à imprensa da Venezuela.

Semana passada, o Brasil nunca pareceu tão submisso ao comando da Venezuela: aceitou a criação de um Banco do Sul, no qual os países depositarão metade de suas reservas cambiais; a construção de um gasoduto; a discussão de um pacto militar do Sul e até resolveu protestar contra os Estados Unidos por supostos vetos à compra de aviões da Embraer. Isso faz de nós o oposto que fomos na história da diplomacia. Uma coisa é a integração regional, um velho projeto desejável e que vem sendo realizado; outra coisa é participar de uma aliança econômica e militar contra os Estados Unidos.

A retórica fora de moda contra supostos opressores pode ser um bumerangue. Chávez disse, no Brasil, que apóia o projeto de nacionalização da indústria de gás na Bolívia, afirmando que o país tem que ficar com os lucros do gás. Antes que Lula faça coro, como sempre, ao seu histriônico colega, alguém deve lembrá-lo de que: se a briga for essa, a Petrobras é que ficará no papel de vilã. A estatal brasileira é a maior empresa exploradora de gás na Bolívia, paga seus impostos em dia, não reclamou dos aumentos recentes de impostos, tem vários projetos de investimentos por lá e não quer ser ¿nacionalizada¿. Se nacionalização for encampação de empresas estrangeiras e suas propriedades, o prejuízo será do Brasil.

Chávez fala em crescimento, em combate à pobreza, mas quem conseguiu isso foi o Chile com menos palavrório e mais reformas. Há uma propaganda do PDT no ar dizendo que Chávez enfrentou os Estados Unidos e cresceu 10%. Não diz quando. Os dados de crescimento desde o começo do governo mostram que o desempenho do presidente venezuelano é um desastre. O país cresce num ano e despenca no ano seguinte. Noves fora o sobe-e-desce, o resultado é de 1,4% ao ano, em média. Pior até que o Brasil. O Chile no mesmo período cresceu 3,6%. E mais: vem crescendo há vinte anos. Se Lula quer um modelo que funciona, deveria olhar para o Chile e não para a Venezuela de Chávez.