Título: A PROVA DE FOGO PARA O MAS DE EVO MORALES
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 22/01/2006, O Mundo, p. 36
Novo presidente da Bolívia assume hoje com desafio de atender a demandas sociais e vencer resistência de empresários
BUENOS AIRES. A partir de amanhã, o presidente da Bolívia, Evo Morales, deverá demonstrar que o Movimento ao Socialismo (MAS), fundado por ele há dez anos, é capaz de administrar os diversos conflitos que há décadas pairam sobre o Estado boliviano. Após vencer as eleições presidenciais de dezembro passado com quase 54% dos votos, Morales, que assume hoje a Presidência, será o primeiro presidente de origem indígena da Bolívia, uma das nações mais pobres da América Latina.
O líder dos plantadores de coca, que em 1997 iniciou sua carreira política no Parlamento, será o sétimo presidente que desembarcará no Palácio Quemado em apenas cinco anos. Desde 2001, a Bolívia foi cenário de sucessivas crises, provocadas por marchas gigantescas organizadas por movimentos sociais que saíram às ruas para exigir diversas medidas, da nacionalização dos recursos naturais, sobretudo o gás, à realização de uma Assembléia Constituinte. Conviver com setores como comunidades da região de El Alto, principais protagonistas da crise que derrubou o governo de Carlos Mesa (2003-2005), representa um dos principais desafios para Evo, como é chamado por bolivianos.
MAS terá maioria na Câmara e presença forte no Senado
Os colaboradores do presidente sabem que sua permanência no poder dependerá, em grande medida, de sua capacidade para articular as demandas das organizações sociais, artífices da vitória do MAS.
¿ Se o governo não conseguir estabelecer um romance com os movimentos sociais, não conseguirá enfrentar ameaças internas e externas. Os movimentos sociais têm capacidade de se transformar em fatores negativos, temos de estar atentos ¿ afirmou ao GLOBO o analista Juan Ramón Quintana, um dos principais assessores de Morales, por telefone de La Paz.
Segundo Quintana, ¿outro desafio para Evo será cultivar a ética pública e conquistar a confiança da população, cansada de escândalos de corrupção¿.
Morales assegurou que fará o que o povo pedir e para cumprir a promessa deve adotar drásticas mudanças. Poder não lhe faltará, pois o MAS terá maioria absoluta na Câmara e expressiva presença no Senado: de um total de 157 congressistas, seu partido terá 84 cadeiras. O MAS controlará, ainda, a presidência das câmaras do Congresso.
¿ Teremos muita margem de manobra e queremos avançar rapidamente com as mudanças mais importantes, entre elas a realização de uma Assembléia Constituinte ¿ declarou o senador Santos Ramírez, eleito presidente do Senado.
Outra iniciativa a ser tratada pelo Parlamento será a mudança do modelo econômico.
¿ O neoliberalismo fracassou, temos de fundar um novo modelo ¿ enfatizou Ramírez.
Para onde caminha a Bolívia? Para um modelo de reciprocidade e solidariedade social, afirmaram os assessores do novo presidente.
¿ Antes de pensar em socialismo, o Estado deverá recuperar a capacidade de comandar o país, de industrializar sua economia. Teremos um modelo de economias diversas, pois é fundamental respeitar a individualidade de cada região da Bolívia ¿ argumentou Quintana.
Governar com novas autoridades nos estados será outro desafio de Morales, que ainda enfrenta resistência entre setores empresariais, sobretudo no estado de Santa Cruz, o mais rico. Em vários estados como Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, a demanda de maior autonomia é crescente e deverá ser tratada pela Assembléia Constituinte que o novo governo pretende convocar ainda este ano.
A rearticulação da direita, derrotada pelo MAS, também preocupa o novo governo, pois esse setor poderia contar com o apoio de agentes externos, entre eles os EUA.
¿ A atitude conservadora do governo americano é uma ameaça. Minha impressão é que os EUA terão três posturas simultâneas: farão declarações de apoio à democracia boliviana, exercerão seu direito a veto em organismos financeiros internacionais para condicionar e impedir a transformação de nossa matriz econômica e, em terceiro, alguns setores do governo americano não darão trégua ao governo do MAS e conspirarão contra ¿ assegurou o assessor presidencial, cotado para assumir o Ministério das Relações Exteriores.
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