Título: CAVACO SILVA DESPONTA COMO FAVORITO HOJE
Autor: Adriana Niemeyer
Fonte: O Globo, 22/01/2006, O Mundo, p. 37

Ex-premier deve se tornar primeiro presidente de centro-direita de Portugal desde a Revolução dos Cravos

LISBOA. O que deveria ter sido um verdadeiro duelo entre dois titãs da política portuguesa acabou se transformando numa campanha morna e com poucas surpresas. Se prevalecer o que dizem as quatro pesquisas divulgadas na sexta-feira, o ex-primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva deverá vencer, por uma pequena margem de votos, as eleições de hoje e se tornar o primeiro presidente de centro-direita desde a Revolução dos Cravos, em abril de 1974.

De acordo com as pesquisas, Cavaco Silva, de 66 anos, conta com um apoio que varia entre 49,8% e 53% das intenções de voto, muito à frente de quem desde o início da campanha era apontado como seu principal rival: o veterano socialista e ex-presidente Mário Soares. Aos 81 anos, ele pleiteia o cargo pela terceira vez e conta com o apoio de seu partido, mas segundo três das quatro pesquisas ficaria em terceiro lugar, com 12,4% e 16% das intenções de votos. Em segundo lugar, desponta outro socialista histórico, o poeta Manuel Alegre, que, apesar da candidatura independente, obteria entre 16% e 20%.

Indecisos poderão influir no resultado de hoje

Como a porcentagem de indecisos é alta (entre 10% e 23%), a possibilidade de um segundo turno existe. E, nesse caso, a disputa é entre a esquerda dividida por Soares e Alegre. Os dois aparecem com posições invertidas nas duas principais pesquisas de opinião: a Eurosondagem atribui a Soares 17% contra 16% de Alegre. Já a da Universidade Católica põe Alegre com 19% e Soares com 15%.

Por que a campanha não esquentou? Na opinião do jornalista José Manuel Fernandes, do jornal ¿Público¿, porque em eleições deste tipo espera-se um duelo, o que acabou não ocorrendo: ¿O que tivemos foi uma corrida solitária de um candidato e todos os outros tentando feri-lo, com setas que erravam o alvo.¿

Durante a campanha, Cavaco Silva não só evitou qualquer movimento que favorecesse a bipolarização entre as idéias de direita e esquerda, como acabou recebendo a ajuda involuntária dos adversários que o acusaram de ¿querer governar¿ e de ter intenção de se intrometer nas decisões do primeiro-ministro.

Na prática isso não acontece. Em Portugal, o presidente da República, apesar de ser o único eleito diretamente, tem poderes limitados. Não propõe leis, mas pode vetá-las. E pode também dissolver o Parlamento. Mas, segundo o jornalista e analista político Carlos Magno, o eleitor espera que Cavaco Silva interfira:

¿ Cavaco marcou território com muita antecedência. Ele está se preparando há mais de cinco anos. Ele aparece como alguém que vai ser um presidente executivo. Que vai se meter nos assuntos do governo. Quando apresentou a sua candidatura, leu um manifesto que mais parecia mais um programa de governo. E o eleitor entendeu isso. E por este motivo é que vota nele, para que tenha influência nos assuntos do governo e não seja somente um presidente de representação, um corta-fitas, como se diz em Portugal

Por outro lado, a campanha de Mário Soares também não foi fácil. Precisou combater um adversário dentro do seu próprio partido, sempre com a preocupação de demonstrar sua capacidade de ação, apesar dos 81 anos. Há dois meses, Soares vem visitando aldeias, tentando seduzir novamente o seu eleitorado e alertando sobre ¿o desastre social¿ que sofreria o país com uma vitória do neoliberalismo. Mas foi pouco convincente: seus discursos ficavam limitados por não terem uma atitude crítica ao governo que o apóia, liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates. O país enfrenta uma grave crise econômica. O crescimento previsto para este ano é de somente 0,8%, o que põe Portugal no último lugar na Europa dos 15.

Manuel Alegre, o chamado ¿candidato poeta¿, vem se sobressaindo ao conquistar o coração dos socialistas, sobretudo o de intelectuais. Porém, o estilo severo, silencioso e de salvador da pátria de Cavaco Silva, ao que parece, foi o que teve mais sucesso nesta campanha eleitoral.