Título: ELES SE JUNTAM
Autor: M. PIO CORRÊA
Fonte: O Globo, 23/01/2006, Opinião, p. 7

Opresidente da República, em recente visita a Caracas, congratulou-se com a inclusão da Venezuela no Mercosul, aproveitando o ensejo para qualificar a oposição brasileira de golpista e estender essa qualificação à oposição venezuelana.

Essa asseveração, além de inverídica, fere um princípio elementar do convívio entre nações civilizadas. Calculo a consternação que ela deve haver causado no nosso chanceler, embaixador Celso Amorim. O nosso presidente, com todo o devido respeito, cometeu uma gafe ao acusar de ¿golpismo¿ os partidos políticos venezuelanos. É como se a rainha da Inglaterra, em um discurso oficial, comentasse o valerioduto, o caixa dois, o mensalão, ou as cuecas de certos políticos brasileiros.

Quanto à inclusão da Venezuela entre os países membros do Mercosul, por simpática que seja a idéia, ela se afasta do pensamento que presidiu à criação do órgão, que se pautou por linhas estritamente regionais. Ele partiu da constatação de que, sendo traçada uma linha do Atlântico ao Pacífico à altura do paralelo de Vitória, e outra linha pelo paralelo de Bahía Blanca, entre essas duas linhas encontram-se 80% do PIB do Brasil, 80% do PIB da Argentina, 80% do PIB do Chile e, obviamente, 100% do PIB do Uruguai.

A idéia era aproveitar e maximizar as sinergias latentes na região, criando pólos de desenvolvimento, cuja influência eventualmente extravasaria para outras regiões. Nesse espaço se encontram também facilidades e bons portos de mar. O porto da cidade do Rio Grande, por exemplo, é capaz de se tornar o principal escoadouro da produção da mesopotâmia argentina, região que compreende as províncias de Corrientes, Entre Ríos e Misiones.

O governo brasileiro acaba de declarar, pela voz de seu presidente, a intenção de estreitar os seus laços com a Venezuela. Leia-se com o seu presidente, o coronel Hugo Chávez, por quem o nosso presidente professa tanta estima e admiração. Acontece que Fidel Castro, envelhecido e desgastado, está em vias de ser substituído pelo presidente Hugo Chávez no papel de líder do antiamericanismo na América Latina.

Na realidade, o ingresso da Venezuela no Mercosul ocorreu sobretudo em atenção aos desejos dos presidentes do Brasil e da Venezuela, Lula da Silva e Hugo Chávez, apoiados pelo presidente da Argentina Néstor Kirchner e do Uruguai Tabaré Vásquez. Está formado assim um quarteto de presidentes unidos por amizades e afinidades comuns, capaz de exercer grande influência nos assuntos de interesse da América Latina. Nas palavras do gaúcho Martin Fierro: ¿Díos los cria y ellos se juntan.¿

M. PIO CORRÊA é embaixador aposentado.