Título: TERCEIRA VIA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 24/01/2006, O País, p. 4

A definição, hoje, da executiva nacional do PMDB, sobre as prévias do partido para a escolha do candidato à Presidência da República vai deixar claro qual a força dos governistas, e o que o presidente Lula pode esperar para o futuro próximo do único apoio partidário que realmente lhe interessa. Embora diga que não considera importante o tempo de televisão que o PMDB poderá lhe dar, sua presença por dez minutos em cadeia nacional de rádio e TV para celebrar o fim do acordo com o FMI ¿ quando aproveitou para fazer propaganda dos números da economia ¿ mostrou a força desse tipo de comunicação.

A melhora da popularidade de Lula, mostrada pela recente pesquisa do Ibope, fez aumentar a força dos governistas no PMDB, e também a dúvida sobre se vale a pena mesmo lançar agora um candidato próprio. Não é improvável que a executiva do partido, que se encontra literalmente dividida, opte por um cauteloso adiamento das prévias para abril ou maio, dando tempo para que o governo mostre seus trunfos na campanha eleitoral.

A candidatura própria, que parecia favas contadas, hoje já não é tão certa assim, muito menos a de Garotinho, embora ele apareça nas pesquisas como o mais forte concorrente do PMDB. Os próximos meses dirão se a recuperação do prestígio do presidente Lula junto ao eleitorado é consistente, ou se depende da intensidade com que usará, até o limite da ilegalidade, os meios de que dispõe antes de anunciar oficialmente sua candidatura.

Pelo menos até março, é certo que o presidente continuará usando o avião presidencial e as vantagens inerentes ao cargo para fazer sua campanha disfarçada. Mas depois que os candidatos, especialmente o do PSDB, estiverem oficialmente escolhidos e anunciados, será difícil não haver uma reação formal por parte da Justiça Eleitoral, que tolherá seus movimentos. Também o retorno dos trabalhos normais do Congresso, e a divulgação dos relatórios finais das CPIs, trarão de volta a carga de acusações contra o governo, o que se refletirá nas pesquisas.

O fato é que Lula, embora tenha a força do cargo, continua sendo um candidato muito vulnerável, cuja única defesa é tentar levar o PSDB junto nos escândalos de corrupção, ou fazer acordos que impeçam a campanha eleitoral de se transformar numa suja disputa, que pode acabar convencendo os eleitores de que ambos têm razão. Mas esses acordos abrem também a perspectiva para o surgimento de uma candidatura alternativa, que no momento ainda não está visível no horizonte.

Em um cenário como o previsto pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em que as questões éticas terão mais importância do que as econômicas, essa alternativa não será certamente Garotinho. O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, considera-se em condições de preencher esse espaço pelo PMDB, e já teria acertado um acordo com o PDT e o PPS para a formação de uma chapa de centro-esquerda que recuperaria o antigo perfil do MDB para se opor à polarização entre PT e PSDB.

O presidente Lula terá também que começar a armar seus palanques regionais para tentar reconquistar terreno, pois só vence o prefeito José Serra na Região Nordeste, onde atuam mais fortemente o Bolsa Família e outros programas assistencialistas. Isso quer dizer que a composição da eventual chapa da reeleição deverá privilegiar regiões como Sul e Sudeste, o que torna a candidatura do atual presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, atraente caso o PMDB retorne aos braços do governo formalmente.

Há também a possibilidade de o candidato continuar sendo de Minas Gerais, o segundo colégio eleitoral do país. O acordo branco com o tucano Aécio Neves, que permitiu sua eleição sem grandes disputas, parece próximo do fim com o acirramento da campanha presidencial.

O presidente Lula já fez referências a essa mudança de situação, dizendo que a aparente unanimidade a favor de Aécio Neves em Minas pode virar quando ele colocar seus quatro ministros mineiros na disputa. Referia-se a dois potenciais candidatos a vice, os ministros da Defesa, José Alencar, e do Turismo, Mares Guia, e aos outros dois mineiros do Ministério, o da Saúde, Saraiva Felipe, e o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci.

O desencanto com os políticos, que surge em todas as pesquisas de opinião, não se refle ainda na aceitação do voto nulo, o que pode ser um sinal de que, iniciada a campanha, a disputa política suscitará novamente mais esperanças do que desilusões no eleitorado. É o que se pode deduzir da pesquisa que o IBPS (Instituto Brasileiro de Pesquisa Social) fez no Rio, entre 12 e 18 de janeiro.

Apenas 2,4% declaram que vão votar nulo para deputado federal, e 2,7% para deputado estadual, índices normais para esses cargos. A maioria dos eleitores que defende o voto nulo como forma de protesto está na faixa dos que ganham entre dez e 20 salários-mínimos de renda familiar mensal (entre R$3 mil e R$6 mil). Entre os que ganham até um mínimo, o voto nulo cai para 3,2%.

A opção pelo voto nulo tem mais aceitação entre os eleitores da capital, entre as mulheres, e entre os de faixa etária mais elevada. O IBPS conclui que, ao menos no momento, o movimento pelo voto nulo é restrito a uma parcela da classe média do Rio de Janeiro, desencantada da luta política e que, embora tenha meios de influenciar os meios de comunicação (cartas dos leitores, e-mails, blogs etc.), não expressa um sentimento generalizado na opinião pública.

Como no referendo sobre o desarmamento, no entanto, essa minoria barulhenta pode influir no comportamento geral à medida que a campanha eleitoral continue deixando na opinião pública a sensação de que PT e PSDB, protagonistas da cena política, se assemelham também na questão ética.