Título: INCERTEZA NO COMBATE À COCAÍNA
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 24/01/2006, O Mundo, p. 28

Programa de erradicação está parado à espera de decisão do governo

ETERAZAMA, Bolívia. Num campo lamacento na região do Chapare, cerca de 150 soldados e policiais bolivianos que trabalham na destruição de plantações ilegais de coca pouco fizeram nas últimas semanas, a não ser matar tempo.

¿ Estamos sem fazer nada esses dias. Esperamos para saber o que acontecerá agora ¿ diz um soldado.

Essa é a pergunta de US$100 milhões na Bolívia: o que será do programa financiado pelos EUA para erradicar coca (planta usada para fabricar cocaína) agora que Evo Morales se tornou presidente?

Morales disse em campanha que poderia retirar o apoio da Bolívia ao programa de erradicação ¿ um dos pilares da estratégia antidrogas dos EUA. Deu sinais de que pode tentar descriminalizar o cultivo da coca ¿ legalmente mastigada como estimulante e usada na medicina tradicional ¿ e criticou os programas dos EUA, tachando-os de pretextos para consolidar a presença militar americana. Mas reduziu o tom desde a eleição, sugerindo que o governo pode manter os limites para o cultivo. Ele sempre lembra que é comprometido com o combate à cocaína, mas não às custas dos plantadores ¿ que querem viver do plantio da folha para uso legal.

A ambigüidade deixa a porta aberta para a cooperação contínua com autoridades antidroga dos EUA, ao mesmo tempo em que fomenta um otimismo sem precedentes entre os partidários de Morales, que gostariam de criar uma indústria internacional de coca legalizada. Estes cocaleiros vislumbram um país onde seu plantio, em vez de associado ao crime, seja um ingrediente-chave de produtos para exportação, de bebidas a xampu.

¿ Muita gente mudou completamente sua atitude após a eleição, porque finalmente estamos no poder. É nosso país agora ¿ diz Apolonia Sanchez, de 42 anos, uma cocaleira que mantém sua plantação a poucos quilômetros do campo de erradicação.

Chapare é uma das duas regiões produtoras de coca da Bolívia. Sob um acordo com o governo, plantadores e Yungas podem cultivar 12 mil hectares. Entretanto, o governo dos EUA estima que outros 12 mil hectares tenham sido cultivados ilegalmente em Chapare e em Yungas em 2004.

O Exército e a polícia bolivianos afirmam que em 2005 erradicaram oito mil hectares de campos de coca, destruíram 3.800 laboratórios de refino, confiscaram 50 toneladas de pasta de cocaína e prenderam mais de quatro mil traficantes. Funcionários do governo dos EUA não participam diretamente das operações, mas Washington paga tudo.

Partidários do programa dizem que o dinheiro foi eficaz. Com Morales no poder, entretanto, os defensores do plantio de coca prevêem um boom na produção. Antes que isso aconteça, um estudo custeado pela União Européia quer medir o tamanho do mercado para o consumo legal da coca. Alvaro García Linera, vice-presidente da Bolívia, disse recentemente que o estudo será crucial para determinar o futuro da indústria da coca e do programa de erradicação.