Título: O NOVO ROSTO DO PODER
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 24/01/2006, O Mundo, p. 28

Indígenas, líderes de movimentos sociais, mulheres e intelectuais vão governar a Bolívia

Um dia depois de ter assumido a Presidência, o novo homem forte da Bolívia, Evo Morales, designou os ministros de seu eclético Gabinete. Líderes de movimentos sociais que nos últimos anos participaram dos protestos que paralisaram o país, mulheres, intelectuais e empresários acompanharão o novo presidente numa experiência inédita na História da Bolívia. A maioria dos ministros é, como o presidente, de origem indígena. Apenas dois, o sociólogo Juan Ramón Quintana, da Presidência, e o empresário Salvador Ruiz Riera, de Obras Públicas, são mestiços. De um total de 16 ministérios, quatro serão comandados por mulheres.

¿ Quero corrupção zero, burocracia zero, nada de ¿volte amanhã¿. As pessoas estão cansadas disso ¿ afirmou Evo, como é chamado pelos bolivianos, vestindo seu tradicional suéter de listras azuis, vermelhas e brancas que já virou moda no país.

Em seu estilo polêmico, o presidente disse a seus ministros que na hora de prestar juramento deviam ser coerentes com suas crenças. Resultado: alguns optaram pelo punho esquerdo erguido, outros colocaram a mão no coração, mas nenhum ministro fez o sinal da cruz, gesto repetido nas últimas décadas por seus antecessores.

Evo escolheu nomes que simbolizam a luta social de setores de enorme peso no país, entre eles os mineiros e movimentos da cidade de El Alto, a 15 quilômetros de La Paz. A nomeação de Abel Mamani como ministro das Águas, cargo criado pelo governo do Movimento ao Socialismo (MAS), foi uma das principais novidades. Mamani comandava a Federação de Juntas de Vizinhos de El Alto, que esteve à frente das manifestações em 2004 para expulsar do país a empresa Águas de Illimani, controlada pelo grupo francês Suez.

¿ Vocês precisam cumprir o mandato determinado pelo povo de mudar democraticamente o modelo econômico neoliberal e de solucionar os problemas estruturais e sociais ¿ disse Evo, eleito em dezembro do ano passado com cerca de 54% dos votos, a maior das últimas décadas no país.

O novo ministro da Mineração e Metalurgia, Walter Villarroel, integra a Cooperativa de Mineiros, um dos grupos sociais mais ativos. Os mineiros bolivianos impediram, por exemplo, que o ex-presidente do Senado Hormando Vaca Díez assumisse a Presidência do país em maio de 2005, após a renúncia de Carlos Mesa (2003-2005). O grupo protagonizou violentos protestos na cidade de Sucre, onde estava reunido o Congresso, para repudiar a designação de Vaca Díez. Após dois dias de tensão, os mineiros comemoraram a vitória, pois coube ao então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Eduardo Rodríguez, assumir a Presidência.

Jornalista na pasta dos Hidrocarbonetos

O emblemático Ministério dos Hidrocarbonetos, encarregado de retomar o controle dos recursos energéticos, ficou com o jornalista Andrés Soliz Rada, antigo defensor de que todos os bolivianos tenham acesso ao gás natural. Soliz terá a responsabilidade de renegociar os contratos com as empresas que operam no país, entre elas a Petrobras, que investiu cerca de US$1 bilhão na Bolívia.

¿ Nossa primeira tarefa será registrar as reservas naturais em nome do país. Esta será medida chave no processo de nacionalização (dos hidrocarbonetos) ¿ assegurou ontem Soliz, após ser empossado.

Outra surpresa foi a designação do professor de língua aimara, Félix Patzi, como novo ministro da Educação. A médica Nila Heredia assumiu o comando da pasta da Saúde e Alicia Muñoz foi designada ministra de Governo. Pela primeira vez na História do país, uma mulher controlará a área de segurança, incluídos os serviços de inteligência e de combate ao narcotráfico. Outra mulher, Casimira Rodríguez, foi nomeada ministra da Justiça. O aimara David Choquehuanca será o ministro das Relações Exteriores.

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