Título: ATOLEIRO NO HAITI
Autor:
Fonte: O Globo, 25/01/2006, Opinião, p. 6

Tem um lado generoso a missão das tropas brasileiras no Haiti que fazem parte de um contingente da ONU comandado desde anteontem pelo general José Elito Carvalho Siqueira: dar segurança e estabilidade a um país que há décadas não sabe o que é uma coisa nem outra. Mas estarão os militares brasileiros alcançando seus objetivos no país caribenho?

Na avaliação do chefe geral da missão de paz no Haiti, o chileno Juan Gabriel Valdés, os resultados são altamente positivos. Ao dar as boas-vindas ao general Elito em Porto Príncipe, Valdés declarou que no início das operações, em junho de 2004, as condições de segurança eram precárias em todo o país, e agora as áreas de conflito estão restritas à capital, onde bandos armados ainda aterrorizam os moradores.

Mas a menos de duas semanas das eleições presidenciais, já quatro vezes adiadas e agora previstas para 7 de fevereiro, a situação geral é caótica. Facções pró e contra o duas vezes deposto presidente Jean-Bertrand Aristide se digladiam numa luta encarniçada e sem fim, espalhando o terror na capital e nas áreas rurais.

Não bastasse a polarização política, a violência dos traficantes de drogas e dos seqüestradores agrava o quadro de instabilidade e insegurança. O jornal ¿Washington Post¿ identifica pontos fracos que comprometem a eficácia da Missão de Paz de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti ¿ como o contingente reduzido (apenas 7.200 soldados) e a falta de profissionalismo, apoio logístico e vontade real de desarmar arruaceiros e impor a ordem.

O principal obstáculo, entretanto, é o desinteresse do presidente George W. Bush pela sorte do pequeno país que há quase um século depende da proteção dos marines americanos para oferecer a seus cidadãos um mínimo de segurança e normalidade. Washington se nega até mesmo a fornecer helicópteros para o transporte de urnas.

Está claro, portanto, que, enquanto a participação dos EUA for mera formalidade, a presença brasileira no Haiti ¿ efeito da pressa irrefletida do governo Lula em sua obsessiva campanha por um lugar permanente no Conselho de Segurança ¿ será fonte perene de frustração e desgaste.