Título: DENÚNCIA VAZIA, UM PERIGO
Autor: Zuenir Ventura
Fonte: O Globo, 25/01/2006, Opinião, p. 7

Fala-se muito das denúncias comprovadas que ficam impunes, mas nem sempre das acusações que acabam se mostrando falsas quando o mal já foi feito à reputação de pessoas inocentes, às vezes de maneira irreparável. A Polícia, a imprensa e o Ministério Público, em conjunto ou isoladamente, já têm uma considerável coleção desses erros, ocorridos sobretudo nos últimos tempos. A onda contra a corrupção, que fez tantas revelações importantes, criou também como efeito colateral o denuncismo, a chamada denúncia vazia.

Há pouco assistiu-se pela tv a um pequeno exemplo. No dia 10, apareciam no Jornal Nacional e no Jornal da Globo imagens da Polícia Federal apreendendo no aeroporto internacional do Rio obras raras de arte tidas como falsificadas. Elas acabavam de ser expostas no Museu do Louvre em Paris. Atribuía-se a denúncia ao Ministério da Cultura e ao Iphan. Como antes algumas das peças estavam guardadas na Biblioteca Nacional, o seu antigo diretor e curador da mostra, Pedro Correa do Lago, seria chamado a depor.

O delegado de Patrimônio Histórico Deuller Rocha, que comandava a espalhafatosa operação, com carros de escolta, helicóptero, agentes armados e, claro, cobertura da mídia, parecia não ter muitas dúvidas. Anunciava trabalhar sobre duas hipóteses: ou as obras já saíram daqui falsificadas ou o foram lá.

Se confirmado, o escândalo fatalmente teria repercussão nos meios artísticos europeus. Como explicar que os responsáveis por um famoso e respeitado museu como o Louvre permitissem que a fraude fosse exposta e visitada por cerca de 500 mil pessoas? De férias em Paris, compareci à inauguração da mostra, que atraiu um grande público, e pude observar a reação de admiração de especialistas estrangeiros diante das 18 gravuras e dos dois óleos (de colecionadores particulares) pintados no século XVII pelo holandês Franz Post, que aqui esteve na comitiva de Maurício de Nassau. O valor das obras foi calculado em U$18 milhões.

No dia 20, os dois jornais televisivos desfizeram o erro. Com base em demorada perícia realizada por museólogos da Escola de Belas Artes e do Iphan, o Minc negava que tivesse ocorrido qualquer irregularidade no caso. Não havia quadros falsos. Falsa era a denúncia. No final, após permanecer esse tempo todo na condição de suspeito, Correa do Lago desabafou: ¿E agora que está tudo esclarecido fica a pergunta: quem acusou em falso vai responder por isso?¿ Uma boa pergunta a que se segue outra, também para a PF: não teria sido mais correto investigar antes?