Título: O COMPANHEIRO R$1.000.000.000.000,00
Autor: ELIO GASPARI
Fonte: O Globo, 25/01/2006, Opinião, p. 7

Dentro de algumas semanas a dívida pública trará uma novidade amarga para o cotidiano de Pindorama, o mau trilhão. Falta pouco para que chegue lá.

Para ser ter uma idéia da força desse número, há um trilhão de segundos (31,5 mil anos) os bípedes ainda estavam na Idade da Pedra Lascada. Quando a ekipekonômica conduzir o país à Idade do Trilhão a dívida per capita do brasileiro estará em R$5.392,00 (15,4 salários mínimos, dos novos).

Lula deveria organizar um grande evento, o Pró-Juros, um encontro dos sábios que desde 1994 arruínam o país. Para que ninguém acuse Nosso Guia de fazer campanha eleitoral, ele dividiria o triunfo com FFHH.

Pedro Malan e Antonio Palocci seriam os mestres-sala de um seminário com todos os presidentes e diretores do Banco Central (inclusive, numa linda alegoria, os que estão aninhados na banca privada). Viria também a bateria do FMI: Stanley Fischer (hoje Citicorp), Teresa Ter-Minassian e Anne Kruger. Todos propuseram isso e aquilo, sempre invocando a meta suprema da redução da dívida pública.

Quando assumiram a gestão da economia nacional ela equivalia a 28% do PIB. Atualmente passa dos 50%. Pelas contas que apresentaram em 1996, deveria estar abaixo dos 25%.

Dívida não é algo que nasce no gramado do Alvorada, como tiririca e estrela petista. Se ela não baixou isso se deve a inúmeros fatores.

Um deles seria a falta de reformas. Quais? Fizeram duas na Previdência, mas é preciso que se faça uma terceira. Mais a 123ª reforma tributária. A ekipekonômica pratica uma espécie de trotskismo positivista. Sustenta a necessidade de uma revolução permanente para que suas idéias possam dar resultados. Se a revolução parar, o capitalismo se acaba. Se os resultados prometidos não apareceram, faltou ardor revolucionário.

A lorota da falta de reformas esconde o oportunismo, a má qualidade e a má gestão das propostas dos sábios. A radicalização de uma proposta errada potencializa o fracasso. A inibição de uma proposta certa drena o sucesso.

Por exemplo: quando Oswaldo Cruz obteve do presidente Rodrigues Alves o apoio para sanear o Rio de Janeiro, seu radicalismo acabou com a febre amarela. Se a vacina obrigatória parasse na rua do Ouvidor, a febre estaria aí até hoje. Uma idéia certa, radicalizada, gera acertos radicais.

Outro exemplo: em 1982, um curioso perguntou ao almirante japonês Minoru Genda se admitia ter cometido um erro ao planejar o ataque à base naval americana de Pearl Harbour, em 1941. Ele disse que não. Erro foi não seguir completamente o seu plano, que previa um novo ataque, desta vez aos porta-aviões que estavam em algum lugar do Pacífico. Não lhe ocorria que o Japão poderia atacar a frota americana 212 vezes e, ainda assim, perderia a guerra. O erro esteve no ataque, não na sua extensão. Genda morreu em 1989 certo de que fez tudo direito. Como direitos estiveram os doutores do populismo cambial tucano e estará o delírio dos juros de Lula, Palocci, Henrique Meirelles e Afonso Beviláqua.

Como a ekipekonômica gosta de brincar com números, aqui vai uma sugestão: quando a dívida chegar a um trilhão poderão dizer que esse número representa uma fração desprezível do Gugol.

(O Gugol é o 1, seguido de 100 zeros. Foi inventado por um garoto de nove anos. Todas as partículas do universo conhecido, somadas a todas as realizações proclamadas por Lula, não somam um Gugol.)

ELIO GASPARI é jornalista.