Título: TRAFICANTES NA ESCUTA
Autor: Ana Claudia Costa
Fonte: O Globo, 25/01/2006, Rio, p. 11

Bandido preso em Bangu III usa radiotransmissor para conversar com cúmplice

Depois de usarem celulares, os traficantes presos no complexo penitenciário de Bangu deram um passo adiante para se comunicar com o mundo exterior: estão recorrendo a um radiotransmissor para falar com cúmplices em favelas e continuar com suas atividades criminosas. Uma dessas conversas foi flagrada por um radioamador da Zona Oeste, às 21h de anteontem. Com experiência de mais de 25 anos nesse tipo de equipamento, o operador, que é licenciado e tem uma aparelhagem moderna em sua casa por hobby, gravou o diálogo, ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade.

Na gravação, o criminoso, preso em Bangu III, dá ordens ao cúmplice para comprar armas e pagar propinas a policiais. Também determina que traficantes suspendam a ordem de fechamento do comércio numa favela em São Gonçalo. Na tarde daquela segunda-feira, o comércio e um posto do Detran no bairro do Rocha, em São Gonçalo, foram obrigados a fechar as portas por bandidos. O motivo do luto forçado foi a morte de Marcelo Araújo, na noite de domingo, em confronto com a polícia na Região Oceânica de Niterói.

Em determinados momentos, o traficante, que diz falar em nome de um bandido conhecido como Falcão, pede a seus cúmplices que procurem amigos do Morro do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, para consertar armas, comprar pentes de munição de pistola e granadas. O preso diz que os comparsas do morro de Copacabana sabem consertar pistolas e fuzis.

Coordenadoria não sabia de aparelho

O radioamador disse que os bandidos provavelmente estão utilizando um aparelho do tipo Yaeso SMD, de circuito miniaturizado. Esse equipamento, segundo ele, é pouco maior que um celular, tem peças muito pequenas e jamais poderia ter entrado no presídio desmontado, já que somente um técnico especializado poderia remontá-lo. Ainda de acordo com o operador, o aparelho utiliza uma freqüência diferente da dos celulares e é a prova de bloqueadores de celulares, como os instalados no complexo penitenciário de Bangu.

O equipamento do radioamador conseguiu captar com clareza a fala do criminoso preso, o que não ocorreu no caso do bandido fora da cadeia. Isso porque a antena usada pelo radioamador tem maior capacidade de captar a fala do traficante no complexo de Bangu do que a do seu cúmplice. A freqüência, ainda segundo o operador, pode ser rastreada por qualquer pessoa que tenha um aparelho potente.

A Coordenadoria do Núcleo de Inteligência do Sistema Penitenciário informou que ainda não sabe da existência do radiotransmissor dentro do presídio. De acordo com um agente da coordenadoria, há várias formas de entrada de aparelhos como esse que são checadas diariamente. O equipamento pode ser levado aos detentos por parentes ou ainda por agentes penitenciários corruptos. A coordenadoria informou que vem trabalhando diariamente para apreender esse tipo de aparelho nos presídios.

De acordo com informações da Secretaria de Administração Penitenciária, dois chefes do tráfico em São Gonçalo estão presos em Bangu III. Um deles é Luiz Paulo Gomes Jardim, o Paulo Madureira. De acordo com um expediente da juíza da 1ª Vara Criminal de São Gonçalo e do delegado titular da 72ª DP (São Gonçalo), ele estaria se comunicando com traficantes fora da prisão. Foi feita uma vistoria em sua cela, mas nada foi encontrado.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Administração Penitenciária informou que o secretário Astério Pereira dos Santos só se pronunciará hoje sobre o caso.