Título: SOMBRA CHAVISTA SOBRE O FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 25/01/2006, Economia, p. 25

Membros do conselho internacional temem perda de autonomia por excessiva participação do governo no evento

CARACAS. Criado como uma alternativa popular a governos e grandes empresas, o Fórum Social Mundial (FSM) no país do presidente Hugo Chávez está enfrentando a sombra do governismo na Venezuela. A coordenação local do evento apresentou ontem, sem qualquer transparência, as contas do FSM, que estão sendo encaradas com reserva por muitos. A suspeita é que o governo e a Petróleo de Venezuela (PDVSA) tenham patrocinado quase todo o custo do encontro mundial da esquerda, depois da criação de uma fundação para receber os repasses de verbas. O próprio Conselho Internacional do FSM ainda não recebeu a prestação de contas e já admite temer pela autonomia do encontro, que inicia seus debates hoje. Nos eventos paralelos realizados até agora houve uma forte propaganda chavista, segundo alguns organizadores.

- Não sei se os números que já foram apresentados têm credibilidade, mas creio que deveria haver maior transparência. Quanto à autonomia, creio que tudo isto que está acontecendo aqui será no mínimo um grande aprendizado para o FSM. Depois de tudo, nós do Conselho Internacional receberemos uma prestação de contas e veremos - disse o empresário brasileiro Oded Grajew, criador do FSM e membro do conselho.

Ontem, o jornal venezuelano "El Universal" divulgou uma entrevista com outro fundador brasileiro do FSM, o sociólogo Candido Grzybowski, com o mesmo temor: "Em Caracas, seremos quase que totalmente dependentes de Chávez, o que restringe nossa capacidade de ter um discurso autônomo."

Outros integrantes do conselho disseram ontem ao GLOBO, sob a condição do anonimato, que os primeiros eventos paralelos do FSM, como os de educação, foram dominados pela propaganda chavista.

- Em vez de espaço de discussão, o que estamos vendo aqui é uma propaganda dos projetos de educação do governo - disse um membro uruguaio do conselho.

Membros do governo participam da organização

É a primeira vez, em seis anos, que o FSM perde a autonomia financeira. Nos quatro anos de Fórum no Brasil, governos federal, estadual e municipal, além de estatais, bancavam menos de 50% dos custos. Na Índia, em 2004, o governo ofereceu apenas o espaço. Na versão venezuelana foi criada pelos organizadores a Fundação Por Um Mundo Melhor - Caracas 2006, para a captação de verbas, principalmente da estatal PDVSA.

O coordenador de comunicação do grupo facilitador do FSM na Venezuela, Julio Firmim, disse que a previsão é de que os gastos operacionais sejam de apenas US$50 mil. O evento acontece em várias áreas diferentes, sempre com o apoio de funcionários e equipamentos do governo, que já teria bancado US$69 mil. Segundo Firmim, não há falta de transparência nas contas, que seriam reapresentadas por ele em breve.

Outro incômodo para o FSM é o fato de, pela primeira vez, vários membros do governo participarem diretamente do comitê local de organização.

- É evidente que este é um FSM notadamente político e nós esperamos que cada vez mais ele contribua para o processo revolucionário por que passa a Venezuela - disse outro membro do conselho internacional, Emilio Tadei.