Título: PAGAMENTOS DE BRASIL E ARGENTINA COMPLICAM FMI
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 25/01/2006, Economia, p. 25
Porta-voz diz que, como Fundo vive de juros, quitação de débito dos países exige rever planos
WASHINGTON. Prestes a deixar os cargos de diretor do Departamento de Relações Externas e de porta-voz do Fundo Monetário Internacional (FMI), o americano Tom Dawson tornou-se subitamente mais aberto. Ele admitiu que o fato do Brasil e da Argentina terem resolvido pagar antecipadamente tudo o que deviam à entidade, poderá causar problemas para a própria sobrevivência dela.
Nada que provoque um grande abalo. Mas essas iniciativas estão exigindo, no mínimo, uma revisão dos planos orçamentários do FMI. Afinal, como as instituições financeiras privadas em geral, o Fundo também vive de juros. E com menos países precisando de grandes empréstimos, a arrecadação do FMI também cai.
Os recentes pagamentos antecipados fizeram com que os empréstimos do FMI (dinheiro desembolsado, menos repagamentos) atingissem o nível mais baixo dos últimos 20 anos:
- Vejo esse fato como boa notícia. Mas ele tem implicações orçamentárias que precisarão ser encaradas. Mas isso não chega a ser uma crise - disse Dawson.
Nos anos 50, instituição viveu situação parecida
Dawson revelou tal impacto em entrevista a uma publicação quinzenal interna do Fundo ("IMF Survey"), distribuída ontem. Segundo ele, que deixará a entidade no dia 31, depois de quase sete anos como seu principal porta-voz, o diretor-gerente Rodrigo de Rato já previa algo do gênero e tem em mãos uma estratégia para amortecer a pancada.
- Nos anos 50 o Fundo esteve numa situação parecida, com poucos empréstimos, e apesar disso conseguiu sobreviver - disse Dawson.
No início da noite, o próprio Conselho Executivo do FMI emitiu nota sobre o assunto. Ela contava que ao longo do dia tinha sido feita uma revisão da posição financeira da instituição. E registrava que embora os repagamentos do Brasil e da Argentina tinham sido "bom sinal do sucesso (dos dois países) em fortalecer suas posições externas", será necessário ao Fundo tomar precauções para salvaguardar sua arrecadação, e custear seus gastos.
Os registros financeiros mais recentes do FMI, do último dia 19, indicam que há só US$40 bilhões em empréstimos seus espalhados pelo mundo. Em novembro o total era de US$56 bilhões. Ele tem em caixa US$303 bilhões, sendo US$208 bilhões disponíveis: esse volume é classificado como utilizável.
O comunicado do Fundo dizia que os repagamentos de Brasil e Argentina não terão impacto imediato na taxa de juros cobradas pela casa este ano, e que nenhuma ação imediata é requerida "de acordo com as regras de salvaguarda da renda em vigor". Mas alertava que a revisão divulgada ontem indicava que a renda do FMI "depende pesadamente no caminho futuro do crédito do Fundo", e que "é necessário exame compreensivo das opções para lidar com a renda no orçamento de 2007".
Dawson vê choque de culturas dentro do FMI
Dawson, que tem feito segredo sobre o que fará daqui por diante - ele tem dito a amigos que passará um ano sem fazer nada - também contou na sua entrevista que persiste um "choque de culturas" dentro do FMI que a instituição ainda não conseguiu resolver.
Ele sugeriu que isso se deveria a uma certa arrogância dos economistas da casa. Dos 2.700 funcionários, 1.500 são economistas. E, segundo Dawson, ainda há "uma tendência de que eles conversem apenas entre si e com economistas dos governos que eles fiscalizam, e não com o resto do mundo, com quem não é economista". E isso, disse ele, é um desafio a ser vencido, porque a falta de comunicação interna, entre os economistas e outros setores, pode prejudicar o trabalho e a imagem do FMI.
- Antes da era da transparência nossos documentos eram lidos em grande parte por PhDs. Mas agora eles são objetos de escrutínio público, e temos que fazer com que sejam convincentes e compreensíveis. O mundo não é governado por economistas.