Título: TENSÃO NA POSSE DE CÚPULA MILITAR BOLIVIANA
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 25/01/2006, O Mundo, p. 27

General afastado do poder protesta contra decisão de Morales de passar para reserva mais de 20 de seus colegas

BUENOS AIRES. O novo presidente da Bolívia, Evo Morales, designou ontem os novos membros das cúpulas militar e policial, em meio a fortes críticas de setores afastados do poder após a chegada do Movimento ao Socialismo (MAS) ao governo. Mais de 20 generais foram passados para a reserva, o que irritou membros das Forças Armadas. Durante a cerimônia de posse dos chefes militares, o general Marco Antonio Vázquez (excluído da cúpula), sua mulher e sua filha protestaram contra a decisão de Morales.

- Estou ferido. Fui vítima de uma injustiça - disse Vázquez, que esperava se tornar chefe das Forças Armadas, cargo assumido ontem pelo general Wilfredo Vargas Valdés, homem de confiança do novo presidente.

Polícia sindical de Morales causa preocupação

Durante a cerimônia, a mulher e a filha de Vázquez gritaram "É injusto!", criando certa tensão no Palácio Quemado, sede do governo boliviano. Morales evitou confrontar as Forças Armadas, mas aproveitou para reiterar sua decepção com a crise causada pelo envio aos EUA de 28 mísseis do Exército boliviano que, segundo chefes militares, foram desativados no ano passado por pressão da Casa Branca. O caso provocou o afastamento do comandante do Exército, general Marcelo Antezana, dias antes da posse do novo presidente.

- Lamento muito as informações que recebemos meses atrás (o caso foi denunciada pelo MAS em outubro de 2005) sobre o desarmamento das Forças Armadas. Chegou a hora de investigar - disse Morales.

Antes de assumir a Presidência, Morales chamara os militares envolvidos no caso de traidores da Pátria. Ontem, porém, pediu "a união de militares, de civis e da polícia com o povo".

- O povo vê a polícia como um centro de corrupção e isso deve mudar - enfatizou Morales, que além da proteção de seguranças militares e policiais conta com o apoio de civis do MAS, espécie de polícia sindical que tem despertado certa preocupação em La Paz.

Para alguns analistas locais, o presidente deveria ter esperado pelo menos alguns meses antes de adotar mudanças tão drásticas nas Forças Armadas.

- A decisão de Evo gerou mal estar, e isso não é bom. Alguns militares sentem que foi atacada a institucionalidade das Forças Armadas. Acho que o novo governo não mediu os riscos ao afastar 20 generais, algo que há décadas não acontecia na Bolívia - declarou ao GLOBO por telefone um analista boliviano que pediu para não ser identificado por estar vinculado ao governo de Eduardo Rodríguez.

Já o professor Carlos Cordero, da Universidade Maior de San Andrés, minimizou a importância do incidente de ontem.

- Trata-se apenas de um general indignado. Não temos aqui um movimento organizado contra o novo governo. Evo é hoje um tsunami político. Não vejo possibilidade de as Forças Armadas tentarem desafiá-lo - argumentou Cordero.

Para ele, "uma das grandes incógnitas neste momento na Bolívia é saber se a influência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, sobre o governo do MAS levará ao fortalecimento das Forças Armadas". Segundo versões extra-oficiais, militares venezuelanos participarão de programas do governo de Morales de combate ao analfabetismo, em parceria com militares bolivianos.

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Legenda da foto: MORALES cumprimenta os novos chefes militares: "É injusto!", gritaram a mulher a filha de um general