Título: RELATÓRIO ACUSA EUA DE TERCEIRIZAR TORTURA
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Fonte: O Globo, 25/01/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 28

Investigador europeu afirma que continente fez vista grossa para transferência de presos em vôos da CIA

ESTRASBURGO. Os Estados Unidos terceirizaram a tortura ao transferir presos para países onde eles seriam interrogados, e os governos europeus provavelmente sabiam disso, afirmou em Estrasburgo o senador suíço Dick Marty, investigador da União Européia para a área de direitos humanos.

Em seu relatório preliminar para o Conselho Europeu, Marty disse não ter encontrado provas irrefutáveis que confirmassem as denúncias de que a CIA mantinha prisões clandestinas na Europa, mas afirmou que existem indícios de que centros para interrogatórios funcionaram no continente.

"Existe uma grande quantidade de provas coerentes que indicam a existência de um sistema de transferência ou terceirização da tortura", disse Marty no relatório ao Conselho Europeu, órgão que fiscaliza os direitos humanos.

Em novembro do ano passado, o jornal "Washington Post" informou que a CIA teria interrogado suspeitos de pertencerem à al-Qaeda em antigos centros da era soviética na Europa Ocidental. Jornais europeus também relataram que vôos da CIA com presos passaram pelos aeroportos de seus países.

Britânicos criticam falta de informações novas

Marty disse já ter sido provado que pessoas foram "seqüestradas e transportadas para diversos destinos na Europa para serem entregues a países onde sofreram tratamento degradante e tortura". Ele estima que mais de cem pessoas foram submetidas a esse processo.

- É possível que 25 agentes de um país estrangeiro cheguem a um país europeu, prendam alguém e o transfiram sem que ninguém saiba de algo? - perguntou Marty. - Se um governo tem que recorrer a táticas de gângsteres, eu digo "não".

O senador se referia ao caso do clérigo egípcio Abu Omar, seqüestrado por agentes americanos em Milão, em 2003, e do alemão de origem libanesa Khaled el-Masri, detido na Macedônia no ano passado e levado para o Afeganistão, onde ficou preso por quatro meses.

Romênia, Polônia, Ucrânia, Kosovo, Macedônia e Bulgária foram acusados de abrigar prisões da CIA. Mas segundo Marty, não há provas da existência de centros de detenção na Europa como o da Baía de Guantánamo, em Cuba, onde centenas de pessoas são mantidas presas pelos EUA mesmo sem terem sido indiciadas.

Os Estados Unidos não negam nem confirmam a existência de prisões no exterior. Em Paris, o secretário americano de Segurança Interna, Michael Chertoff, disse apenas que o governo dos EUA "age de acordo com a lei e respeitando a soberania dos países onde opera".

A falta de fatos novos e provas despertou críticas. O parlamentar britânico Denis MacShane afirmou que o documento tinha mais buracos do que um queijo suíço, enquanto o governo de Tony Blair disse não ter visto fatos novos.

Já o comissário europeu para Segurança, Franco Frattini, pediu aos membros da União Européia que cooperem com as investigações. Mas para Frattini, ainda é cedo para tirar conclusões.