Título: Causas múltiplas
Autor:
Fonte: O Globo, 26/01/2006, Opinião, p. 6

Aos buracos nas estradas federais, como causadores de acidentes, soma-se agora um outro e dramático exemplo da incúria administrativa do governo: lombadas eletrônicas que não funcionam ¿ em algumas rodovias, há mais de um ano, a julgar pelo tempo em que não são aplicadas multas. A explicação das autoridades causa perplexidade: os contratos com as empresas encarregadas de instalar e manter os aparelhos estão vencidos. Para resolver o problema, contratos de emergência estão sendo providenciados.

Ora, é impossível que as partes que firmam um contrato não estejam a par da sua data de vencimento. Que não tenha havido renovação a tempo, portanto, é gritante demonstração de incompetência, e seus efeitos não se resumem à perda da arrecadação proveniente das multas, mas a acidentes graves ¿ porque se devem à direção em alta velocidade, que resulta da percepção de motoristas imprudentes de que não estão sendo monitorados. E se as estradas em que trafegam estão em mau estado de conservação ¿ o que hoje é a norma, não a exceção ¿ o risco aumenta, como aumenta a gravidade dos acidentes.

Mas há um fator adicional e de importância crítica: virtualmente não é aplicado o Código de Trânsito, saudado à época de sua aprovação, com razão, como uma peça criteriosamente elaborada, severa e capaz de tornar civilizado o comportamento dos motoristas brasileiros. Quando entrou em vigor, em 1998, de fato logo reduziu significativamente o número e a gravidade dos acidentes de trânsito.

Mas isso durou pouco. Desentendimentos entre a Polícia Rodoviária Federal e departamentos estaduais de trânsito; multas anistiadas; negligência na fiscalização ¿ tudo contribuiu para que o código se tornasse pouco mais do que letra morta. Dirige-se falando ao celular, muitos deixam de usar o cinto de segurança, e assim por diante. No que se refere ao excesso de velocidade, a fiscalização eletrônica supriria a falta de policiamento; mas se ela também não funciona, o saldo final é o que se tem: a mais perigosa das impunidades.