Título: FSM PODE BUSCAR APROXIMAÇÃO COM GOVERNOS
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 26/01/2006, Economia, p. 24

Boa parte dos organizadores e participantes quer que evento aproveite onda de eleições de partidos de esquerda

CARACAS. Muitos organizadores e participantes da edição americana do Fórum Social Mundial acreditam que o evento precisa perder seu pudor e se aproximar mais abertamente dos governos de esquerda da América Latina. Animados com o novo mapa político da região e também com as experiências do governo de Hugo Chávez, eles querem negociações mais amplas com os governos.

Nem todos, no entanto, concordam. Ontem, num debate no Conselho Internacional, aberto aos ativistas, ficou claro que o FSM vive uma crise em seu processo de amadurecimento. O consenso é de que quanto mais posições distintas forem defendidas no Fórum, mais ele se fortalecerá, desde que seus princípios contra o neoliberalismo e a guerra sejam mantidos.

¿ E necessário eleger Hugo Chávez, Evo Morales, Lula e governantes assim, desde que eles tenham compromisso com a justiça social. O Fórum Social precisa ter uma interface com os governos de esquerda ¿ disse Jacobo Torres, da comissão organizadora do FSM em Caracas e representante da Aliança Social Continental, na abertura das discussões sobre o futuro do FSM.

Diversidade de propostas: trunfo ou problema

Mais ponderada, a equatoriana Irene León, do Grupo Facilitador, lembrou que o FSM nasceu em 2001 como contraponto a Davos e se tornou um espaço de desenvolvimento de alternativas ao neoliberalismo e até de estratégias. Hoje tem muitas idéias diferentes de mudanças.

¿ Talvez seja uma crise de adolescência. O que somos? Um espaço de encontros anuais? De desenvolvimento de lutas comuns? O ponto de chegada dos movimentos que acontecem pelo mundo? Pode ser muitas outras coisas. Agora, precisaremos respeitar os tempos de cada um. Ou seria este o tempo de encontrar consensos sobre alguns pontos? Talvez ¿ disse Irene.

Um dos fundadores do FSM, o brasileiro Candido Grzybowski é declaradamente contrário a aproximação com os governos e ponderou que o FSM é político, mas nunca no sentido estatal.

¿ Tratamos aqui de criar uma cultura da diversidade, em sua mais ampla forma. Que isto não nos leve à fragmentação. É justamente a diversidade o que nos dá mais força. Claro que há muita confusão por trás da diversidade, estamos aqui aprendendo. Também penso que temos que estimular o confronto entre nós. As diferenças só nos ajudam e nos fortalecem ¿ disse Grzybowski durante o debate.

Participantes não acreditariam em partidos

Ele destacara antes, em entrevista, que pelas pesquisas feitas nos últimos FSMs, mais de 70% dos participantes declaram não acreditar em partidos políticos:

¿ Então há uma crise sobre este tema. Não temos consenso sobre apoio ou não aos governos e talvez nunca tenhamos.

Na opinião dele, tanto o FSM quanto o Fórum Econômico Mundial, que se realiza em Davos, começam a se abrir para caminhos diferentes, ambos em trilhas completamente opostas.

¿ Não aceitamos os fundamentalismos dos mercados. Eles são os responsáveis pelo crescimento da desigualdade social. Depois do FSM eles perderam um pouco da arrogância, estão perdendo a batalha e tentam mudar. Nós levaremos 10, 15 anos para mudar o que eles fizeram com seu Consenso de Washington. E também mudamos, não somos mais um festival de lutas nas ruas em torno da OMC. Hoje estamos podendo tocar em nós mesmos, olhar-nos melhor ¿ disse.

Grzybowski disse ainda que a esquerda também enfrenta seus próprios fundamentalismos e, com o FSM, tem conseguido discuti-los e modificá-los.

¿ Muitas vezes eu olho para os programas de debates e penso: isto não é diversidade, é confusão. Mas há propostas, muitas.

Outros membros do Conselho Internacional deram declarações ao longo do dia apoiando a politização do FSM diante do novo quadro do continente. Diretor do Programa de Estudos sobre Democracia e Transformação Global e integrante do Conselho Internacional do FSM, o finlandês Teivo Teivainen declarou que o Fórum precisa superar sua despolitização. Para ele, é necessário construir um novo paradigma socialista para o século XXI e o FSM poderá colaborar neste processo.