Título: Aos amigos, a porta de saída
Autor: Cristiane Jungblute Luiza Damé
Fonte: O Globo, 19/11/2004, O País, p. 3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao fim do seu segundo ano de mandato enfrentando uma debandada de antigos e fiéis amigos. Ontem, o governo confirmou a saída de Frei Betto, assessor especial da Presidência e um dos idealizadores do programa Fome Zero, como havia informado o colunista Ancelmo Gois. Apesar da alegação oficial de que as saídas ocorreram por motivos pessoais, as baixas no círculo de amigos expressam, inclusive para o público interno do governo, a insatisfação com os rumos da administração, com a continuidade da política econômica do governo anterior em detrimento de avanços na área social.

Ontem, Frei Betto disse a assessores do Planalto que seu tempo de permanência em Brasília chegou ao limite de dois anos, mas frisou que continuará como ¿assessor informal do amigo Lula¿. Mesmo caminho do demissionário secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, que, de São Paulo, continuará ajudando o presidente.

Além de Frei Betto e Kotscho, saíram do governo pessoas que ao longo dos últimos 20 anos tiveram forte ligação com o PT e especialmente com Lula. A lista inclui o empresário Oded Grajew, que foi assessor especial do presidente para o combate à fome, e o físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás.

Grajew foi o primeiro desfalque no time de amigos. O segundo foi José Graziano, demitido da função de ministro de Segurança Alimentar. Mais tarde, Graziano, ainda muito magoado, concordou em voltar ao governo como assessor especial do presidente, em nome da amizade com Lula. Na ocasião, Lula demitiu a petista Benedita da Silva do Ministério da Assistência Social.

A demissão, ontem, do presidente do BNDES, Carlos Lessa, foi outra perda para Lula e para a esquerda. Assim como Pinguelli, a saída de Lessa significa o fortalecimento da política econômica comandada pelo ministro Antonio Palocci ¿ vista com reservas, nos bastidores e em público, por todo esse grupo de amigos.

Apesar de baixas importantes na equipe de amigos, Lula continua cercado por fiéis auxiliares: Gilberto Carvalho, chefe do Gabinete da Presidência; Clara Ant, assessora especial; e Cesar Alvarez, assessor especial. O grupo ainda é integrado por Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos Internacionais, e por Graziano. Miriam Aparecida Belchior, ex-mulher do prefeito assassinado Celso Daniel, começou como assessora especial de Lula e hoje trabalha junto ao chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Frei Betto alegou motivos pessoais e o desejo de se dedicar a projetos relegados a segundo plano, como escrever. Amigo de Lula há décadas, Carlos Alberto Libânio, mais conhecido como Frei Betto, dissera há algum tempo ao presidente que desejava sair, mas só deixará de fato o Planalto em dezembro. Integrantes do Planalto e amigos próximos informaram que Frei Betto estava na verdade incomodado com o andamento do Fome Zero, que perdeu espaço quando foi criado o Bolsa Família.

¿ O poder é desgastante, a burocracia é pesada e, para os amigos que não têm projeto político e de poder, o sacrifício não vale a pena ¿ afirmou, recentemente, um ex-assessor do presidente.

Outro problema surpreendeu Lula ontem: as críticas do professor Bernardo Kucinski, assessor especial da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom). Os ataques de Kucinski ao governo e ao próprio presidente desagradaram Lula e criaram mal-estar no Palácio do Planalto. Para alguns assessores de Lula, Kucinski deveria ser demitido pelo chefe da Secom, Luiz Gushiken. Mas, segundo assessores da Secom, o professor se manterá no cargo, pelo menos por enquanto. Kucinski deu explicações de que não sabia que suas declarações a um jornal-laboratório da USP, em que fez severas críticas ao governo, teriam tanta repercussão. A estratégia é aguardar um movimento do próprio Kucinski, que estaria insatisfeito no governo e poderia decidir deixar o cargo.