Título: Homem-polêmica, amante do Rio, do samba e da comida
Autor: Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 19/11/2004, Economia, p. 31

O economista Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa enfrentou, nos anos 90, sérios problemas cardíacos e um câncer. Em sete anos, fez três cirurgias. Sobreviveu a todos os males e, desde então, leva a vida como se não tivesse tempo a perder. Invariavelmente, fala e faz o que sente. A espontaneidade, característica que resume sua personalidade, também ajuda a explicar seu afastamento do governo Lula.

A central de boatos acerca da demissão de Lessa ¿ um carioca filho de cariocas, completamente apaixonado pelo Rio de Janeiro ¿ nasceu quase simultaneamente à posse na presidência do mais importante banco de fomento da América Latina. O espectro do desligamento aparecia a cada uma das incontáveis declarações polêmicas do intelectual boa praça e de ótima conversa que, durante o governo Sarney, ocupara uma diretoria do BNDES.

Em 22 meses à frente do banco, Lessa não economizou atritos. O mais rumoroso ¿ até o episódio em que criticou publicamente o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles ¿ foi com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a quem sempre resistiu subordinar-se. Costumava dizer que tinha sido nomeado pelo presidente Lula e apenas a ele seria obediente. Dois meses atrás, quando Furlan reclamou que o BNDES demorava demais para liberar os empréstimos ao setor privado, devolveu:

¿ A análise de um projeto de investimento não é uma compra de pão na padaria.

Tampouco poupou os empresários. Criticou abertamente a venda da AmBev para a cervejaria belga Interbrew. Considerou a operação conveniente apenas para ¿os três rapazes¿, numa referência explícita aos sócios majoritários da companhia, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.

Também não livrou a Embraer, menina-dos-olhos da balança comercial brasileira. Ao saber que a diretoria da empresa, no fim de 2003, atribuíra seu pior resultado trimestral desde 1999 ao atraso na liberação de US$ 1,8 bilhão pelo BNDES, Lessa cantarolou uma paródia do samba ¿Tem que rebolar¿, composto em 1965 por José Batista e Magno de Oliveira:

¿ Para botar a mão do meu dinheiro, você vai ter que rebolar, rebolar, rebolar.

Ex-professor e aluno do ex-ministro Mário Henrique Simonsen, Lessa, de 68 anos, é respeitado no mundo acadêmico. Está há 25 anos ligado à UFRJ, como professor-titular do Instituto de Economia. Escreveu com Antonio Barros de Castro, também da UFRJ, o livro ¿Introdução à economia¿, que ainda hoje é referência nos cursos de graduação. Lessa afastou-se da universidade seis meses após assumir a reitoria, para a qual foi eleito com 85% dos votos.

Sua melhor amiga ¿ ele a chama de irmã ¿ é a também economista Maria da Conceição Tavares. Guru do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e da chamada ala desenvolvimentista do governo, é a ela que se atribui a indicação de Lessa ao BNDES. É casado há mais de 40 anos com dona Martha, com quem teve três filhos que lhe deram três netos.

Amante de um bom vinho e da boa comida, Lessa é dono de uma das maiores bibliotecas privadas do Rio. Um andar inteiro de sua casa no Cosme Velho abriga quase 30 mil volumes. É colecionador de porcelana chinesa e amante do samba. Enquanto esteve à frente da UFRJ, fundou o bloco ¿Minerva Assanhada¿, com professores, funcionários e alunos da universidade. Mas não tem escola de samba nem time do coração.