Título: `Desburocratização é direito humano básico'
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 19/11/2004, Economia, p. 33

A burocracia emperra o desenvolvimento do país e cresce à medida que o foco do governo é aumentar cada vez mais a arrecadação. Quem afirma é o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, com a experiência de quem, em 1983, substituiu o ex-ministro Helio Beltrão à frente do Programa Nacional de Desburocratização. Lançado em 1979, no governo João Figueiredo (1979-1985), o programa simplificou procedimentos administrativos e deixou como herança, entre outras medidas, o Estatuto da Microempresa, os Juizados de Pequenas Causas, hoje Juizados Especiais, e o sistema de luz verde ou vermelha para a revista de malas nas alfândegas dos aeroportos.

Houve retrocessos em relação às medidas adotadas pelo Programa Nacional de Desburocratização?

JOÃO GERALDO PIQUET CARNEIRO: Sim, vários. Voltou-se a exigir carteira de identidade com certidão de nascimento. Em 1979, um decreto proibiu que se exigisse prova de um fato já comprovado por outro documento. Afinal, só tira carteira de identidade quem tem certidão de nascimento.

A burocracia continua aumentando no Brasil?

PIQUET CARNEIRO: Sem dúvida nenhuma, até pelo crescimento natural do governo, que hoje tem uma estrutura muito maior do que há 25 anos. Mas o problema é o crescimento patológico da burocracia, decorrente do ajuste fiscal e da conseqüente preocupação em arrecadar sempre mais.

É possível reduzir a burocracia sem diminuir a arrecadação?

PIQUET CARNEIRO: A simplificação administrativa gera economias importantes para o governo, sem necessariamente implicar redução de arrecadação. Além disso, o Estado tem que aceitar o não-pagamento de impostos como fato inexorável em qualquer país. É preciso distinguir inadimplência de sonegação. Se o Estado conseguisse cobrar tudo o que lhe é devido, quebraria a economia. Até porque existe um ponto de equilíbrio: manter um sistema de controle tão rigoroso custa caro.

Como solucionar o problema da burocracia?

PIQUET CARNEIRO: É preciso haver uma decisão política: encarar a desburocratização como um direito humano básico. Ter claro que o cidadão é o dono do serviço público, na condição de usuário. Hoje há cada vez mais controles formais: não se pode realizar atos corriqueiros sem provar que se está quite com o Fisco. O problema é federal, estadual e municipal.

Quanto o Brasil perde com a burocracia?

PIQUET CARNEIRO: Obrigações burocráticas têm um custo para o cidadão: o tempo que ele gasta, o preço das certidões que tira, os despachantes e contadores que contrata para atender às exigências nas três esferas de governo. Um estudo publicado na revista ¿Contabilidade & Finanças¿, da USP (número 29, em 2002), mostrou que o custo foi de R$ 7,2 bilhões em 1999.

O senhor acha que é hora de recriar o Ministério da Desburocratização?

PIQUET CARNEIRO: Não creio. Os tempos são outros, a estrutura do governo federal é muito maior. Hoje, até pelas resistências burocráticas que enfrentaria, um programa desse tipo deveria ficar junto à Presidência, cabendo sua implementação à Casa Civil. De resto, acredito que a sociedade tem de se mobilizar para reivindicar o que de direito lhe pertence.