Título: `É hora de os europeus se entenderem¿
Autor:
Fonte: O Globo, 19/11/2004, O mundo, p. 38

Hubert Védrine, ex-ministro das Relações Exteriores da França, falou ao GLOBO do ¿triunfo da revolução conservadora¿ de Bush e disse que é hora de os europeus superarem as divisões dos últimos anos.

Bush diz ter intenção de usar o capital político que ganhou nas eleições. Isso vai se traduzir em mais unilateralismo?

VÉDRINE: É uma tendência que começou antes de Bush, decorrente da vitória dos EUA da Guerra Fria. Os EUA são a potência dominante há 15 anos. Pode-se falar em superpotência, como eu, ou em império, hegemonia ou liderança. A realidade é a mesma. Os atentados do 11 de Setembro cristalizaram uma certa metamorfose da América. E a reeleição clara de Bush é uma confirmação desse novo movimento.

Isso vai durar?

VÉDRINE: Seria durável mesmo se Bush tivesse sido derrotado. O que Bush vai fazer agora? Pode haver mudança de pessoas, mas não penso que a análise das relações internacionais vá mudar em profundidade. Acho que os EUA permanecerão unilateralistas. Eles podem tratar os aliados de forma mais agradável e tentar utilizar o sistema multilateral, em vez de o marginalizar, o que será mais inteligente. Podem fazer o que recomenda Henry Kissinger (ex-secretário de Estado dos EUA) ou Zbigniew Brzezinski (ex-assessor de Segurança Nacional do governo Carter): a mesma coisa, mas de uma forma mais inteligente.

Dirigentes europeus manifestaram desejo de maior cooperação com os EUA. É hora de a Europa dar um passo em direção a Bush?

VÉDRINE: Primeiro, é hora de os europeus se entenderem.

É possível?

VÉDRINE: Há uma possibilidade, sob várias condições. A primeira é que Chirac, Blair, Schroeder (chanceler alemão), Silvio Berlusconi (premier italiano) aceitem virar a página e ultrapassar as divisões dos últimos anos. Não estou certo da resposta. Mas isso supõe um mínimo de disponibilidade do lado americano. No momento atual, para os americanos, a Europa não é um peça do jogo. Os americanos querem o apoio dos europeus, mas não aceitam que os europeus participem da definição da política. Parece-me difícil para os europeus apoiar uma política americana que será exatamente a mesma.

E a França, nestas condições, deve ter um papel no Iraque?

VÉDRINE: Os americanos não nos pedem para ter um papel. Pedem apoio militar. Se houvesse uma mudança no Iraque, seria mais fácil para a França cooperar na reconstrução do país. Mas uma participação militar é quase impossível. Outro elemento que facilitaria uma cooperação entre americanos e europeus é se o governo americano relançasse o processo de paz no Oriente Médio. O governo Bush apoiou totalmente o Likud (partido do premier israelense Israel Sharon), que não quer processo de paz porque não quer um Estado palestino.