Título: Cor e qualidade
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/11/2004, O País, p. 2

Com a reforma ministerial em curso, busca o presidente Lula preservar as alianças partidárias para governar e disputar a reeleição mas também aplicar ao governo um ¿choque de eficiência¿ no ano crucial de 2005. Interessa ao PT a difusa percepção de que a presença de outros partidos resultará em perda de qualidade da gestão. Quando pode, tem dito Lula, representar o oposto.

O que Lula já deixou circular é que não mexerá no núcleo do governo. Vale dizer, nem na Casa Civil, onde José Dirceu continuaria coordenando a gestão, apesar dos destinos que lhe são atribuídos, nem na Coordenação Política, apesar das pressões petistas contra Aldo Rebelo, do PCdoB. Aldo foi sempre o defensor da tese do governo de coalizão, que Lula foi levado a abraçar. Sua presença é uma expressão do pluralismo mas isso pode significar a permanência da tensão entre ele e Dirceu, que até por natureza nunca deixará de interferir na área política. O núcleo inclui ainda Palocci, o intocável, Gushiken (Comunicação de Governo) e Jaques Wagner. Este, Lula acha que está subaproveitado na secretaria executiva do CDES. Pode ser transferido para outra pasta.

O PMDB deixou claro que a pasta de seu maior interesse é a da Integração Nacional, ¿adequada a um partido municipalista como o nosso¿, diz o líder José Borba. Mas Lula não se animou a transferir Ciro Gomes para o Planejamento. Feliz onde está, ainda haveria o risco de colisão com Palocci. Os primeiros dilemas de Lula são estes: como atender ao PMDB sem contrariar Ciro e como levar um desenvolvimentista ao Planejamento em sintonia com Palocci. Fará uma coisa de cada vez, dizem os seus.

Em relação ao segundo objetivo de sua reforma, o presidente reconhece deficiências de gestão em algumas áreas do governo e avalia que superá-las é tão importante quanto restaurar a coalizão. O tempo encurtou, não havendo mais espaço para erros e vacilações em 2005. Mas tudo dependerá muito das trocas que fará e das indicações que aceitar. Um governo mais amplo e menos petista não será necessariamente pior. Pelo contrário, pode agregar experiência e pluralidade na abordagem dos problemas. O próprio presidente inclui na lista dos mais eficientes o petebista Walfrido Mares Guia (Turismo) e os dois empresários não-partidários, Furlan (Desenvolvimento) e Roberto Rodrigues (Agricultura).

A rebeldia do PMDB atenuou-se depois do jantar com os senadores na sexta-feira passada, abrindo caminho para um bom encontro entre Lula e os deputados amanhã, na casa do ministro Eunício Oliveira. Mas agora há o PP na fila e o PTB também está pedindo mais. Para atendê-los, Lula terá que cortar cabeças petistas. A seção gaúcha, que tem quatro ministros, deve ser chamada ao sacrifício. E, entre eles, Tarso Genro (Educação) e Dilma Roussef (Energia) é que parecem firmes nos cargos. Sobram Olívio Dutra (Cidades) e Rossetto (Desenvolvimento Agrário).

Não se espere entretanto uma cirurgia radical. Lula, segundo auxiliares, quer alcançar os dois objetivos com o menor número de trocas possível.

Outras pedras

Com a emenda da reeleição praticamente sepultada, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, passou à cabala de votos, inclusive na oposição.

Há pedra grande em seu caminho, entretanto. Na quarta-feira passada, jantando juntos na casa de Armando Rollemberg, Sarney teria dito a Lula que só não engolirá a eleição de Renan. Teria até posto na mesa o nome do senador tucano Tasso Jereissati. Lula disse respeitá-lo muito mas lembrou que isso significaria entregar o comando do Senado à oposição nos dois anos finais de seu mandato (tendo a reeleição pela frente). Um dos compromissos de Lula com o PMDB é o de respeitar o direito do partido à presidência.

Um peemedebista que se elegeu enfrentando resistências (de ACM, aliado de Sarney) foi Jader Barbalho. Deu no que deu.

Velha Rússia

A Rússia de Vladimir Putin pode ser uma boa parceira comercial (apesar do jogo duro em relação à carne brasileira) mas continua sendo má referência em democracia. Preparando a chegada de Putin, a Fundação Alexandre Gusmão, presidida pela embaixadora Thereza Quintella, convidou intelectuais e dirigentes russos para um seminário sobre a nova Rússia. A reforma política que se discute por lá (defendida pelo assessor de Putin Igor Shuvalov, e criticada pela oposição), aqui causaria maremoto. Para reforçar o poder central, Putin propõe o fim da eleição de governadores, que passariam a ser indicados por Moscou. Aqui, já se chamaram biônicos.

Ontem, milhares de ucranianos foram às ruas denunciar fraudes na eleição presidencial que deu a vitória a Viktor Yanukovich, apoiado por Putin, que ligou de Brasília felicitando-o.

Falta muito ainda para a Rússia se livrar da herança autoritária.

COMO sessão terapêutica, a reunião do diretório nacional do PT foi perfeita. A esquerda falou o que queria, inclusive contra o governo. Mas sem os votos, engoliu a nota conciliadora da maioria.

BRIGA BOA no PTB. O deputado Luiz Antônio Fleury quer porque quer ser o novo líder na Câmara. O presidente do partido, Roberto Jefferson, banca a recondução de José Múcio, muito apreciado pelo Planalto.