Título: MP investigará deputados
Autor: Alan Gripp e Carla Rocha
Fonte: O Globo, 23/11/2004, Rio, p. 13

As investigações sobre o escândalo da CPI da Loterj chegam a outros quatro deputados estaduais. Depois de O GLOBO ter revelado ontem a fita inédita de uma conversa entre o deputado federal André Luiz (PMDB) e emissários do empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o Ministério Público estadual vai convidar para depor três parlamentares do PMDB ¿ o próprio presidente da Assembléia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, o líder do partido na Casa, Paulo Melo, e Domingos Brazão ¿ e o deputado Dica, do PFL. Na gravação, que está com a Polícia Federal, André Luiz diz que Picciani sabia da negociação para retirar o nome de Cachoeira do relatório final da CPI da Loterj. André Luiz é acusado de ter tentado extorquir R$ 4 milhões do empresário.

Os deputados Brazão, Dica e Paulo Melo são mencionados por André Luiz na conversa como homens de sua confiança que fariam parte do esquema. A promotora Dora Beatriz Wilson da Costa, da 1 Promotoria de Investigação Penal do Ministério Público estadual, disse que vai investigar os parlamentares, além de convidá-los a depor. Ela é responsável pelo inquérito que apura o caso Loterj.

¿ Eu acho que eles têm o dever de comparecer ao meu gabinete porque são homens públicos e devem satisfação à sociedade ¿ disse.

MP espera resultado de perícia nas fitas

A promotora ressalva, no entanto, que André Luiz poderia ter citado os nomes dos parlamentares para demonstrar prestígio. Ela aguarda ainda para esta semana o resultado da perícia do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) nas fitas entregues por advogados de Cachoeira em que estariam gravadas conversas entre intermediários do empresário e André Luiz e Alessandro Calazans (PV). Segundo Dora Beatriz, se as vozes forem dos parlamentares, ela pedirá à Procuradoria da República e ao procurador-geral de Justiça do estado que abram processos contra os deputados, que têm imunidade.

Procurado pelo GLOBO, Picciani informou, através da Assessoria de Imprensa da Alerj, que não daria entrevista. Pela manhã, falando à Rádio CBN, ele defendeu-se atacando André Luiz. Disse que o deputado federal é um fanfarrão e negou saber do esquema:

¿ Eu lastimo esse tipo de conduta, essa conversa é uma conversa de bandidos. Não tenho esse tipo de intimidade com esse rapaz. O deputado, além de bandido, é fanfarrão.

Em seguida, Picciani divulgou nota oficial. Apesar de ter sido André Luiz quem, nas conversas gravadas, envolveu o presidente da Alerj no caso de extorsão, Picciani acusa, na nota, o jornal de ter cometido um erro: ¿A afirmação de que o presidente da Alerj estaria "envolvido" no caso de extorsão não é só um erro de interpretação do veículo, mas também um exemplo de má -fé. Sobre isso, serão tomadas as medidas judiciais cabíveis¿, diz a nota.

À tarde, Cachoeira atribuiu a um ato de desespero as declarações de Picciani. Ele afirmou que não é bandido nem bicheiro e que vai interpelá-lo judicialmente.

¿ Eu acho que ele se precipitou ao me chamar de bandido. O deputado Calazans também fez isso. Acho que ele deveria esperar o fim das investigações ¿ ironizou, referindo-se ao fato de também ter apresentado uma fita em que Calazans conversaria com um intermediário sobre a mesma negociação de propina.

Calazans, que já está sendo investigado pela Corregedoria da Alerj, disse que está à disposição da Justiça. Paulo Melo afirmou que vai depor se necessário. Dica reagiu dizendo que as declarações de André Luiz na fita não passam de ¿delírios¿ e Brazão não foi localizado.

Sobre a série de denúncias contra parlamentares do Rio, Cachoeira disse que seu objetivo, ao gravar as conversas, foi apenas se defender de tentativas de extorsão. Ele lembrou que o relator da CPI, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), chegou a afirmar que ele tinha feito 243 ligações para telefones de Waldomiro Diniz, ex-presidente da Loterj e ex-assessor do Planalto, mas nunca teria provado a denúncia. Procurado, o deputado do PSDB afirmou que, embora não tivesse que responder a acusações de Cachoeira, de fato constatou que esse número de ligações não aconteceu tanto que não incluiu a informação no relatório final da CPI.

A divulgação das novas fitas reabriu as discussões sobre a necessidade de a Alerj criar um conselho de ética para apurar denúncias de desvios de conduta dos deputados, projeto engavetado desde o ano passado. Curiosamente, um dos autores da proposta é Paulo Melo, citado por André Luiz nas gravações. Hoje, o conselho existe na Câmara dos Deputados, no Senado e nas assembléias legislativas de São Paulo e do Rio Grande do Sul:

¿ O conselho é importante porque a escolha de seus membros respeitaria a proporção das bancadas. Hoje, as comissões são formadas às pressas caso a caso ¿ diz o petista Alessandro Molon, que vem defendendo o projeto em plenário.