Título: Das urnas para as ruas
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Fonte: O Globo, 23/11/2004, O Mundo, p. 28

Dezenas de milhares de pessoas tomaram ontem as ruas de diversas cidades da Ucrânia para protestar contra o polêmico resultado oficial das eleições presidenciais, que apontaram a vitória do primeiro-ministro Viktor Yanukovych, pró-Moscou. O candidato da oposição, Viktor Yushchenko, mais próximo ao Ocidente, acusou o governo do presidente Leonid Kuchma de fraude e conclamou a população à desobediência civil e a manter-se mobilizada ¿até que a vitória chegue.¿

Pelo menos cem mil pessoas ocuparam a Praça da Independência ontem à noite, na capital do país, Kiev, para protestar contra o resultado. Dezenas de milhares ainda estavam lá durante a madrugada de hoje. Outras 30 mil também faziam vigília em Lviv. As assembléias legislativas destas duas cidades e também de Ternopil, Ivano-Frankivsk e Vinnytsia declararam reconhecer o oposicionista Yushchenko como o legítimo presidente eleito e exortaram o Parlamento ucraniano a não aceitar a vitória de Yanukovych.

¿ Devemos montar tendas e permanecer nas ruas. Devemos mostrar às autoridades que ficaremos aqui por um longo tempo. Mais de nós devem chegar a cada hora ¿ disse Yushchenko, que pediu para que as pessoas deixassem de trabalhar e os estudantes de ir às escolas.

Há o temor de uma explosão de violência no país, pois as forças de segurança afirmaram ontem que não permitirão ¿ações ilegais¿. ¿Apelamos aos organizadores dos protestos em massa a assumir a responsabilidade pelas possíveis conseqüências¿, disse, em nota, o Ministério do Interior.

UE, EUA e Otan denunciam fraude

Yanukovych afirmou que seu adversário na eleição era o líder de ¿um pequeno número de radicais¿:

¿ Temos que esquecer o que nos dividiu durante a campanha. Somos um só povo.

Depois de contados 99,38% dos votos o premier tinha 49,42%, contra 46,7% do opositor.

Porém, enviados de União Européia, Estados Unidos, Otan e Organização para Segurança e Cooperação na Europa afirmaram que a eleição foi viciada. Os 25 países da UE irão convocar os embaixadores ucranianos em seus países para demostrar sua contrariedade e pedir que o ¿o processo e os resultados sejam alterados.¿

¿ Estamos em contato com o presidente Kuchma para deixar claro que isto não pode acontecer. Se a situação piorar na Ucrânia, mudará a relação com a UE ¿ disse o alto representante de Política Exterior e Segurança da UE, Javier Solana.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, Richard Lugar, que representou seu país como observador, também criticou as eleições:

¿ Um programa coordenado de fraude para o dia das eleições foi realizado, comandado ou com a cooperação das autoridades governamentais.

Porém, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, que ontem esteve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília, disse que a votação foi justa e parabenizou Yushchenko.

De acordo com observadores, já no primeiro turno as eleições foram fraudadas. Eles disseram que dezenas de milhares votaram mais de uma vez no leste do país, majoritariamente russo. O governo teria exagerado nos gastos de campanha e obrigado as TVs a concederem mais espaço para o premier Yanukovych e a criticar Yushchenko. O oposicionista afirmou que sobreviveu até mesmo a uma tentativa de assassinato por envenenamento.

A votação ucraniana é considerada um marco na história pós-soviética do país. De um lado, o governista Yanukovych é apoiado por Moscou, que pretende manter a Ucrânia como um aliado preferencial. Foi assinado um acordo comercial entre os dois países, a Bielorrússia e o Cazaquistão.

Já Yushchenko é considerado pró-europeu e nacionalista, o que indicaria que tentaria não apenas se aproximar economicamente da UE, como se afastar politicamente de Moscou.