Título: `Não mexo na economia'
Autor: Gerson Camarotti, Ilimar Franco e Cristiane Jungbl
Fonte: O Globo, 24/11/2004, O país, p. 3

Em reunião de mais de cinco horas com 17 ministros petistas que terminou na madrugada de ontem, na Granja do Torto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu de forma categórica às contestações do partido e até mesmo de ministros palacianos, como o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, à política econômica conduzida pelo titular da Fazenda, Antonio Palocci. Lula foi enfático na defesa da política econômica e do ministro, dizendo que são duas coisas intocáveis.

Tanto Dirceu quanto Dulci falaram, na reunião do Torto, sobre a necessidade de flexibilização da política monetária do governo.

¿ Nós estamos defendendo a política econômica. Mas, uma vez que já está sendo feito o ajuste fiscal rigoroso, o governo poderia ter um grau de inflexão na política monetária ¿ disse o ministro Dirceu, segundo relato de presentes ao encontro.

O ministro Luiz Dulci, também segundo seus colegas, foi na mesma linha:

¿ Nosso governo não pode tratar o possível como virtude. Sozinho, o discurso da estabilidade econômica nos derrotará.

Os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) também fizeram ponderações sobre o modelo econômico do governo petista. Lula foi o último a falar. Fez uma exposição de 30 minutos e deixou claro que não mudará em nada a condução econômica, reforçando a posição de Palocci:

¿ Eu não mexo na política econômica. Não tem volta. O caminho está tomado e ponto final. Não adianta inventar. Os resultados são positivos e estamos colhendo os frutos, que devem aparecer em 2005. É importante que todo o governo e o partido tenham unidade de ação e discurso afinado. Quem pensa em contestar o rumo da economia não terá espaço comigo para discutir isso.

Lula cita empregos e crescimento

Ao defender a política econômica, Lula disse que o BNDES vai funcionar em pleno vapor com recursos volumosos para investimentos. Lembrou o crescimento de mais de 4% da economia este ano e a geração de empregos, que pode chegar a dois milhões de novas vagas em 2004, para contestar os companheiros de partido:

¿ A economia não está dando certo? Está. O crescimento econômico ultrapassou até a previsão dos mais otimistas.

O presidente do PT, José Genoino, também presente no Torto, negou que tenha sido um encontro com pedidos de mudanças na política econômica:

¿ O que ouvi foram ministros fazendo reclamações tópicas.

É preciso despetizar o governo, afirma

Como o assunto sobre a política econômica acabou predominando no encontro do Torto, a reforma ministerial ficou em segundo plano. Os ministros presentes à reunião negaram que tenha se tratado da reforma ministerial na reunião, mas um petista que ocupa um importante cargo numa estatal contou que o presidente Lula está usando a expressão ¿despetizar o governo¿ quando fala das mudanças na equipe.

O presidente Lula disse que sua intenção com a reforma é ¿fazer o governo deslanchar, pois ele estaria gerencialmente travado em algumas áreas, garantir uma base sólida no Congresso e construir as pontes políticas para a campanha pela reeleição¿.

¿ 2005 tem que ser o ano do governo, o ano das obras e realizações. Vocês têm que trabalhar com eficiência na gestão ¿ disse Lula várias vezes, cobrando cumprimento de metas e resultados dos ministros.

Discretamente, Lula disse aos companheiros que precisará de cargos no primeiro escalão para agregar os partidos aliados. Está praticamente certo que o PMDB poderá ganhar mais um ministério, o das Cidades, com a possível saída de Olívio Dutra. E o PP poderá ficar com a Secretaria de Pesca, de onde também sairá outro petista, José Fritsch.

Em discurso na Confederação Nacional do Comércio (CNC), ontem à noite, o presidente Lula voltou a defender a política econômica e falou pela primeira vez na importância de ter um governo aberto a diferentes forças democráticas. O presidente está discutindo uma reforma ministerial para promover um governo de coalizão, ampliando o espaço do PMDB e do PP na administração.

¿ Estamos agindo em várias frentes e direções. Uma delas é a reafirmação de um governo de portas abertas, receptivo à convergência das forças democráticas interessadas em construir uma nação próspera e justa ¿ disse Lula.

No encontro, o presidente fez em público a mesma defesa da política econômica feita aos petistas na noite de anteontem. E estendeu seu aviso a todos os gestores públicos, dizendo que não vai ceder às pressões para afrouxar os gastos públicos. Ele afirmou que é preciso ter unidade na adoção da política de gastos assim como as famílias devem ter cuidado na hora de gastar dinheiro.

¿ No Estado é a mesma coisa. Quando as pessoas percebem que há um pouco de reserva a mais, querem estourar. Mas o Estado só pode contrair as dívidas que tem condições de pagar, porque senão não seremos responsáveis. Foram dois anos de semeadura responsável para que o país despertasse da hibernação voluntária. Vamos continuar tendo estabilidade econômica e crescimento ¿ disse o presidente.

No passado, governos vacilaram

Ao citar o economista Celso Furtado, que morreu sábado, Lula disse que seu governo construiu alicerces para o crescimento:

¿ O povo sabe que o alicerce vem antes do telhado para que as estruturas não fraquejam e a casa caia. Refazer os alicerces não foi tarefa fácil, mas agora o lastro é firme.

Quando afirmou que o Estado não pode gastar mais, o presidente disse ainda:

¿ O Brasil não se tornou um país definitivamente desenvolvido porque, em momentos cruciais, em que o governo deveria tomar decisões muitas vezes duras, o governo vacilou porque possivelmente tivesse uma eleição próxima ou porque possivelmente isso não interessava a seus partidários do ponto de vista político.