Título: Dona Ruth vê `retrocesso muito grave' no social
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 24/11/2004, O país, p. 9

Ex-presidente do Comunidade Solidária, dona Ruth Cardoso disse ontem que está havendo um ¿retrocesso muito grave¿ na aplicação de políticas sociais no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para ela, os programas que começaram quando seu marido, Fernando Henrique Cardoso, era presidente, não tiveram continuidade.

¿ Acho que isso (retrocesso) tem acontecido e acho que é uma coisa bastante grave. E não acontece só com os governos. Às vezes acontece com as empresas. Muda-se a orientação e mudam-se todos os programas, quando nossos programas sociais precisam de continuidade. Essa é a coisa mais importante para se chegar a resultados positivos ¿ disse dona Ruth, que participou ontem do fórum internacional ¿Brasil 2015 Oportunidades e Desafios¿, promovido pela Odebrecht para comemorar seus 60 anos.

Falta de contrapartidas gera ¿retrocesso imenso¿

Dona Ruth também considerou ¿um retrocesso imenso¿ a falta de exigência de matrícula das crianças na escola e de vacinação, por exemplo, para que as famílias recebam os recursos.

¿ Acho um retrocesso imenso porque aí isso se torna realmente um programa puramente assistencialista e não se trata disso. Minha posição, pelo menos, é clara. O que esse segmento mais pobre da população precisa é de oportunidade, de formação, de respeito às suas próprias capacidades e não simplesmente você dar um recurso que não muda em nada a vida dessas pessoas ¿ criticou.

Dona Ruth voltou a criticar o programa Fome Zero, carro-chefe dos programas sociais do atual governo, por sua suposta falta de planejamento. Segundo ela, o problema não foi a demora no funcionamento do cadastro:

¿ O programa Fome Zero não era só o cadastro. Já houve grande dificuldade para colocar em ação e, na verdade, acho que houve falta de planejamento, de uma idéia clara sobre onde chegar. A idéia de juntar os cadastros existiu desde o primeiro momento, quando os programas foram feitos. Havia várias dificuldades técnicas que estavam sendo trabalhadas. Mas juntar os cadastros é uma coisa positiva, não sei se já havia condições para fazer isso.

A ex-primeira-dama disse que esperava mudanças no governo Lula, mas que não houve bons resultados.

¿ Houve pequenas mudanças e não houve realmente um progresso com novas idéias. Eu esperava, inclusive. Não é que um governo não possa mudar, ao contrário. Espero que mude, que traga novas idéias, sem perder os resultados que já foram alcançados. E isso é o que eu estou esperando ¿ disse.

Participante do mesmo fórum, o ex-primeiro-ministro da Espanha e hoje presidente da Fundación Progreso Global, Felipe González, não citou diretamente o presidente Lula, mas falou da sua própria experiência de gerar empregos para a população.

¿ Prometi 800 mil postos no primeiro ano de mandato e, nos quatro primeiros, perdemos 600 mil postos. Aprendi a me calar quanto à oferta de empregos ¿ disse, provocando risos da platéia.

González se negou a comparar o presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique.

¿ Sou amigo dos dois. Os dois são radicalmente diferentes ¿ disse.