Título: `Além dos hematomas, a Aids¿
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 24/11/2004, Omundo, p. 34

Para o diretor da Unaids para Europa e Américas, Luiz Loures, o crescimento da epidemia de Aids entre as mulheres expõe a grande vulnerabilidade do sexo feminino e a insuficiência das atuais estratégias de prevenção da doença. Vítimas freqüentes da violência e da exploração sexual, as mulheres não têm condições de negociar sexo seguro, sustenta Loures. ¿O preço a ser pago, além dos hematomas, é a Aids¿, diz.

Por que o crescimento da Aids entre mulheres preocupa tanto?

LUIZ LOURES: Porque evidencia que as atuais estratégias de prevenção não são suficientes. Para as mulheres tudo é mais complicado porque, em muitos casos, o sexo é associado à exploração sexual e à violência. Um estudo recente mostra que 30% das mulheres que chegam às emergências dos países desenvolvidos são vítimas de violência. Um outro estudo revela que até 50% das que sofrem violência, sofrem também agressão sexual. Como esperar que essas mulheres negociem o uso do preservativo? As estratégias de prevenção hoje são muito controladas pelo homem.

Qual é a saída?

LOURES: Temos que redefinir as estratégias de prevenção. Temos que avançar rápido no sentido de termos métodos de prevenção sob o controle da mulher, cujo uso ela não precise negociar com o parceiro, como o preservativo feminino e os microbicidas. E também no sentido de termos legislações mais duras para coibir a violência contra a mulher. Essa é a história da Aids, uma epidemia que se renova e exige renovação estratégica permanente.

O crescimento da epidemia entre mulheres expõe sua vulnerabilidade social?

LOURES: Sem dúvida, mostra sua vulnerabilidade na sociedade. E isso é o mais duro. Só que o preço a ser pago agora, além dos hematomas, é a Aids. O homem precisa também assumir sua responsabilidade.

A despeito de toda a mobilização mundial e do aumento dos recursos disponíveis, a epidemia continua crescendo. Por quê?

LOURES: As histórias positivas estão localizadas nos mesmos países há anos. Há uma dificuldade de ampliação relacionada à falta de decisão política e de mecanismos de implementação de programas, à corrupção e, em grande parte, à discriminação. Trata-se de uma doença que só pode ser combatida por meio de uma abordagem mais direta de questões normalmente tratadas a portas fechadas, como sexo e uso de drogas. Não se vence essa barreira com dinheiro. Muitos países ainda debatem se podem ou não falar em preservativos, se devem ou não ter educação sexual nas escolas. Enquanto esse debate perdurar, teremos cada vez mais Aids. Porque é uma epidemia que se renova na desigualdade, em que problemas crônicos passam a ser os fatores determinantes na transmissão.