Título: Violência e Aids, calvário feminino
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 24/11/2004, Omundo, p. 34

Mais alarmante que o fato de a epidemia mundial de Aids continuar crescendo é o impressionante avanço da infecção entre as mulheres. Segundo o Boletim Epidemiológico Mundial divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Londres, o número de casos femininos da doença em todo o mundo já corresponde a 47,3% dos 37,2 milhões de infectados entre 15 e 49 anos. Uma proporção que poderá ultrapassar a de homens infectados em menos de dez anos devido à falta de programas mais específicos para as mulheres e também à falta de proteção social, econômica e legal para a população feminina, vítima freqüente de violência e abuso sexual.

A vice-diretora executiva da Unaids (a agência da ONU para a Aids), Katleen Craveiro, expôs um cenário alarmante de crescimento da doença em diversas regiões do mundo, sobretudo na região sul da África, onde 13,3 milhões dos adultos infectados (60% do total) são do sexo feminino. Outra fonte de preocupação é a região da Europa Oriental. Na Rússia, por exemplo, o número de mulheres infectadas cresceu de 24% para 38% entre 2002 e 2003. Na América Latina, os casos femininos pularam de 520 mil (2002) para 610 mil em 2004.

¿ As estratégias de prevenção da Aids não estão respondendo às realidades da vida feminina e tampouco há iniciativas suficientes para oferecer a mulheres, sobretudo as mais jovens, suficiente autonomia sócio-econômica em suas vidas. Só assim poderemos ter esperanças realistas de combater esse quadro de epidemia ¿ alertou Katleen, que estava acompanhada da atriz britânica Emma Thompson, uma espécie de embaixadora da ONU para a questão da Aids entre as mulheres.

Mulheres não têm escolha, diz atriz

A atriz, que recentemente visitou Uganda, constatou in loco as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, especialmente as mais jovens e pobres, entre as quais a prostituição formal e informal se transformou numa alternativa cada vez mais comum de sobrevivência. A crítica maior foi direcionada à falta de acesso a programas de prevenção.

¿ O chamado tripé abstinência, fidelidade e camisinha não é suficiente para que mulheres na África e em outras regiões do terceiro mundo se protejam da doença, uma vez que muitas delas não têm sequer esse direito de escolha. Isso sem falar em legislações que as privam de casa, terras e mesmo mobília em caso de morte de parceiros ¿ denunciou a atriz. ¿ Será que precisaremos chegar a um ponto em que meninas serão uma espécie em extinção para que governos dos países ricos façam alguma coisa?

Katleen não acredita que a busca de mais equilíbrio nas relações de gênero seja uma causa utópica e cobrou maior engajamento político das autoridades:

¿ Não estamos falando apenas de medidas que requerem revoluções. Muitas melhorias poderiam ser obtidas com o mero cumprimento de leis e um pouco mais de participação política e comunitária. O que precisa ser deixado de lado é o comodismo.

No plano geral, o número de casos continua aumentando e atingiu a marca de 39,4 milhões de pessoas ¿ em 2002, eram 36,6 milhões. Estimativas da Unaids indicam que a doença matará 3,1 milhões de pessoas este ano. Em termos regionais, a Ásia apresentou o maior índice de crescimento da doença, com 50% de aumento nos casos, sobretudo por causa da disseminação da epidemia em China, Indonésia e Vietnã.

Na Europa, a Rússia tem o maior número de pessoas contaminadas: 860 mil. Já na América Latina, os casos pularam de 1,5 milhão para 1,7 milhão nos últimos dois anos. Segundo as estatística da Unaids, mais de um terço das ocorrências estão no Brasil, o país mais