Título: O motim petista
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 29/11/2004, Panorama Político, p. 2

O presidente Lula terá de domar o apetite do PT para construir uma ampla aliança para sua reeleição e garantir a governabilidade. Esta não é a primeira vez que um presidente tem de enfrentar os seus para impor sua política. Fernando Henrique também teve de dobrar os tucanos para defender a política econômica e sacrificar planos políticos regionais em função de um projeto nacional.

Para manter o apoio de uma ala do PMDB, Lula reuniu-se com os parlamentares do partido e acenou com alianças eleitorais entre petistas e peemedebistas nos estados, em 2006. Um dos casos citados por Lula foi a reeleição do governador Luiz Henrique, em Santa Catarina. Não se passaram sete dias e o diretório regional do PT catarinense lançou ao vento a palavra e as intenções do presidente Lula. O diretório decidiu fazer oposição ao governo Luiz Henrique.

¿ Inoportuno! Equivocados! ¿ esbraveja o presidente do PT, José Genoino.

Esta não é a primeira vez que os petistas ignoram o presidente Lula. A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, detonou o PMDB e a prefeita eleita de Fortaleza, Luizianne Lins, arrebentou com o PCdoB. Nos dois casos o presidente Lula não podia fazer nada, mas deu a entender que Genoino foi mole no episódio do Ceará. A situação agora não é a mesma, pois o presidente tem como intervir. O comando do PT catarinense está nas mãos do secretário especial de Aqüicultura e Pesca, José Fritsch, e do presidente da Eletrosul, Milton Mendes, ambos da tendência Articulação de Esquerda.

¿ Não vou comentar. O tema não estava na pauta, não participei desta parte da reunião nem da votação ¿ defende-se Fritsch.

O risco de que isto pudesse ocorrer existia e Luiz Henrique tratou da questão com o presidente Lula há dez dias. Genoino foi acionado e fez gestões. Na noite de sexta-feira recebeu a garantia de Fritsch, que é um dos nomes do PT para disputar o governo estadual em 2006, de que a ruptura não seria aprovada. Com a decisão, o próprio Genoino acabou desautorizado.

O fato coloca mais lenha na convenção do PMDB, de 12 de dezembro, que vai decidir sobre o afastamento do partido do governo Lula. Além disso, petistas vêem no episódio o risco de o PT virar uma federação de partidos, a exemplo do PMDB, onde interesses regionais impedem que se crie um projeto nacional comum. A advertência é do deputado Carlito Merss (PT-SC):

¿ O PT não pode se transformar num grupelho de coronéis regionais.

O ministro interino do Planejamento, Nelson Machado, numa reunião da Junta Orçamentária, chamou de ¿irreal¿ o reajuste salarial de 15% para os servidores do Legislativo.

O ministro José Dirceu fica

O chefe da Casa Civil, José Dirceu, não tem planos de desertar da função que lhe foi delegada pelo presidente Lula. O ministro disse a amigos que, mesmo descontente com algumas questões, como a política econômica, ainda acredita no governo. Além do mais, argumentou, na Casa Civil ele tem poder para tentar mudar algumas das coisas que precisam de ajuste.

Mesmo não reassumindo a coordenação política, seus aliados dizem que os futuros presidentes da Câmara e do Senado terão que comer na sua mão, se quiserem fazer andar ou destravar seus interesses no governo. Um parlamentar que esteve com Dirceu contou que, para o ministro, sair da Casa Civil é justamente o que querem seus adversários.

O ministro, que tem trabalhado em silêncio na melhoria da gestão, está convencido de que o governo vai deslanchar este ano. E que seria um erro deixar que outros usufruam politicamente do êxito de seu trabalho. Dirceu desconfia que são os pretendentes ao seu posto que superdimensionam seu descontentamento e sugerem a sua saída.

Pizza

Mesmo que o PMDB decida na convenção sair do governo, é pouco provável que os ministros do partido tenham que entregar seus cargos. Realista, o senador Maguito Vilela (GO), que defende a independência, diz que a maioria do partido não aprova medidas drásticas, como a expulsão. O que muda, reconhece o presidente do partido, Michel Temer (SP), é que o ministro não poderá mais falar em nome do PMDB.

No ataque

O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, será a atração, nesta quarta-feira, no lançamento do livro ¿Novo-desenvolvimentismo¿, num restaurante de Brasília. Nele, 21 economistas atacam a política econômica e sugerem propostas alternativas. José Alencar escreveu prefácio em que incentiva o debate e considera que isto não deve ser motivo para polêmica. Ela afirma que não está dizendo nada de novo.

A SECRETARIA de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica informa que não suspendeu a publicação da ¿Carta Crítica¿, escrita pelo assessor Bernardo Kucinski. O ministro Luiz Gushiken apenas decidiu restringir sua circulação. Agora, depois do vazamento do texto da edição com críticas ao ministro José Dirceu, somente Gushiken e o presidente Lula continuam a recebê-la. Antes disso, eram oito os integrantes do governo que a recebiam.

A ESQUERDA petista está preocupada com o fisiologismo. ¿Queremos um partido da sociedade, vivo, vinculado aos anseios dos trabalhadores, e não um partido estatal, instrumento passivo do poder dominante, acoitado em `máquinas¿ administrativas, com sua lógica continuísta¿, diz a proposta de resolução apresentada ao diretório nacional do PT.