Título: Governo quer punir mau uso de verbas da saúde
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 29/11/2004, O País, p. 5
O governo federal pretende vincular o repasse dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para estados e municípios ao cumprimento de metas e diretrizes nessa área. O dinheiro seria liberado mediante a comprovação, por exemplo, da redução da incidência de doenças como Aids, dengue, tuberculose e hanseníase ou mesmo da diminuição do número de casos de mortalidade materna e infantil. O Ministério da Saúde está terminando o texto do projeto de lei que enviará ao Congresso Nacional criando a Lei de Responsabilidade Sanitária (LRS).
A proposta deverá estabelecer não só as obrigações, como também as punições para prefeitos e governadores que não cumprirem as metas, que nos casos mais graves poderão ser considerados inelegíveis.
Inspiração na Lei de Responsabilidade Fiscal
O projeto foi inspirado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), idealizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso e aprovada no Congresso em 2000. Essa lei é uma espécie de código de conduta para administradores públicos, que passaram a obedecer limites para gastos e foram obrigados a prestar contas da aplicação do dinheiro público.
O ministro da Saúde, Humberto Costa, um dos nomes mais citados no Planalto para deixar o cargo na reforma ministerial, afirmou que a lei será necessária para combater o desperdício do dinheiro do SUS. Segundo ele, a lei, se aprovada, também vai ajudar o país a cumprir as chamadas Metas do Milênio, um compromisso assinado pelo governo brasileiro com as Nações Unidas, no qual o país se compromete a melhorar indicadores de saúde até 2015.
Humberto Costa admitiu que a fiscalização dos recursos federais repassados a estados e municípios tem deficiências e ainda há ralos por onde o dinheiro vai embora sem ser aplicado em políticas públicas. Para solucionar esse problema, o ministro considera fundamental estabelecer metas e obrigações e punir quem não as cumpre.
¿ O objetivo da lei é monitorar e fiscalizar de perto os recursos do SUS. A qualidade do gasto não é muito boa. Há alguns ralos e desvios. As metas vão fazer o dinheiro chegar ao cidadão, mas é fundamental a punição para o mau administrador. Hoje, eles não aplicam o mínimo na saúde e não há imputação de pena alguma. Vamos mudar isso ¿ disse o ministro da Saúde.
O projeto do governo vai cobrar de estados e municípios melhoras em uma série de indicadores na área de saúde, como a redução da taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos, o aumento do número de crianças até um ano vacinadas contra sarampo, ampliação do número de partos, redução do índice de mortalidade materna e diminuição do número de casos de Aids entre mulheres grávidas.
Outros indicadores que serão avaliados são a taxa de utilização de anticoncepcionais e o número de crianças órfãs de mães que morreram de Aids. Números de internações e atendimento de doenças de alta complexidade, como o câncer, também serão avaliados.
Municípios precisam investir 15% de sua receita em saúde
Além dessas metas, municípios e estados serão punidos se não aplicarem o mínimo previsto na lei. O município está obrigado hoje a gastar pelo menos 15% da sua receita na área da saúde. O governo tem que investir no setor 12% de seu orçamento.
Serão várias as penalidades previstas para o administrador que não cumprir as metas ou não aplicar esse mínimo. As punições irão variar de advertência e multa até suspensão do repasse dos recursos e inelegibilidade do prefeito ou governador. O projeto vai exigir que o governo federal também cumpra o seu gasto mínimo com saúde, previsto na Emenda Constitucional 29. Os recursos da União para a área variam de acordo com o PIB a cada ano.
O Ministério da Saúde, só este ano, deverá repassar cerca de R$ 20 bilhões para municípios e estados. Esse dinheiro é para ser utilizado em despesas como internações hospitalares, atendimento ambulatorial, tratamento de doenças de média e alta complexidade e atenção básica. O repasse dos recursos federais é feito através do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os fundos estaduais e municipais.
O ministro explicou que a Lei de Responsabilidade Sanitária irá obrigar que essas contas sejam abertas e não fiquem protegidas por sigilo bancário. A aplicação desses recursos será fiscalizada pelos conselhos municipais, pelas auditorias do SUS, pelos tribunais de contas e pela Controladoria Geral da União (CGU).