Título: União contra os interesses do Rio
Autor: ZANON DE PAULA BARROS
Fonte: O Globo, 29/11/2004, Opinião, p. 7

Está em andamento no Congresso Nacional mais uma agressão ao Estado do Rio de Janeiro. O deputado Mauro Passos (PT-SC) apresentou o projeto de lei n 1.618, de 2003 ¿ que já conta com o parecer favorável, na Comissão de Minas e Energia, do relator deputado Nelson Meurer (PP-PR) ¿ alterando o sistema de distribuição dos royalties decorrentes da exploração de petróleo na plataforma continental. Como se verá, uniram-se esquerda e direita contra o Estado do Rio.

Se aprovado o referido projeto, os royalties que o Rio recebe serão distribuídos a todos os estados e municípios do país, ficando ínfima parcela para os fluminenses. Justifica o deputado sua proposição sob a alegação de que a plataforma continental pertence à União e que a atual legislação sobre os royalties ¿cristalizou no país a existência de brasileiros de primeira e segunda categorias, isto é, de brasileiros que fruem das receitas provenientes do aproveitamento de recursos naturais pertencentes à União e realizado em espaço da União e aqueles que não têm acesso à riqueza nacional¿.

O deputado Mauro Passos sabe que esse mesmo argumento foi usado para retirar do Rio o direito ao recebimento do ICMS sobre as remessas interestaduais de petróleo e seus derivados. O constituinte de 1988 tirou o ICMS e deu os royalties, cujo valor, no entanto, é bastante inferior ao que o Rio receberia se houvesse o tributo interestadual. Agora, pretendem tirar até os royalties. É melhor que se aprove logo uma emenda constitucional tirando do Rio o status de unidade federativa, transformando-o em colônia. Pelo menos ¿ num gesto raro ¿ estariam sendo sinceros.

A Constituição de 1988 já colonizou o Rio a favor de São Paulo na questão do petróleo, excluindo a tributação interestadual de um produto de que o Rio é o grande produtor nacional e São Paulo o maior consumidor. Segundo o jornalista Merval Pereira, o deputado Francisco Dornelles ¿ eleito pelo PP do Rio, o que é incrível ¿ é um dos que justificam a não tributação interestadual do petróleo pelo ICMS, dizendo que antes da atual Constituição o petróleo era tributado apenas pela União e assim os estados produtores nada teriam perdido, pois nada tinham.

Esquece que o álcool combustível ¿ de que São Paulo é grande produtor ¿ também era tributado apenas pela União e, diferentemente do petróleo, passou a ser tributado pelo ICMS no estado de origem. O mesmo ocorreu com os serviços de telecomunicação. Além disto, agora que se sabe que a Bacia de Santos tem enormes reservas de gás natural, promulgou-se emenda à Constituição, deixando expresso que, no caso do gás natural, o ICMS ¿ diferentemente do que ocorre com o petróleo ¿ é cobrado no estado de origem.

Quanto ao petróleo, porém, de que o Rio responde por 80% da produção nacional, ninguém quer nem ouvir falar em tributação na origem, em brutal prejuízo para os fluminenses e favorecimento aos demais estados, especialmente São Paulo. Agora aparece esse deputado, querendo tirar do Rio também os royalties.

Assim, ao contrário do que diz o deputado Mauro Passos, foi a Constituição de 1988 e não a lei dos royalties que criou brasileiros de primeira e de segunda categoria, ficando os fluminenses neste último grupo. Agora, o ilustre deputado, com o apoio do relator, pretende criar brasileiros de terceira categoria: a dos nativos das colônias, que não têm direito algum.

Espera-se que a bancada fluminense acorde de sua tradicional letargia porque, se o Rio virar colônia, não haverá mais deputados nem senadores fluminenses.