Título: Prisão de Duda Mendonça revela racha na PF
Autor: Chico Otávio
Fonte: O Globo, 29/11/2004, Rio, p. 17

Os policiais que invadiram, há um mês, uma rinha de galos no Recreio garantem que não conheciam o sócio do clube clandestino que exibia no crachá o nome ¿Sansão¿. Eles sustentam que só após a reação de ¿Sansão¿, que se dizia ¿assessor do presidente¿, descobriram tratar-se de Duda Mendonça, um dos mais prestigiados publicitários do país, chamado por parceiros de rinha pelo apelido, derivado do sobrenome. A prisão dele e a remoção, dias depois, de agentes que participaram da operação, tornaram pública uma crise que desafia a unidade da Polícia Federal. No seu rastro, há denúncias de sumiço de drogas, grampos internos, vazamento de informações e interferência americana em ações de combate ao narcotráfico.

Divergências entre equipes da PF têm sido comuns

Divergências entre equipes da Polícia Federal no Rio e em Brasília não são novas. Mas o cenário da disputa mudou: deixou os corredores da PF para ocupar os gabinetes das corregedorias internas do Ministério Público e da Justiça Federal, que passaram a receber denúncias formais. Na última, enviada sexta-feira ao juiz Joel Pereira dos Santos, da 26ª. Vara Criminal Federal, o delegado Antônio Rayol, titular da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, declarou temer que os agentes Marcelo Marques Guimarães e Luiz Amado Machado, removidos de sua unidade para Campos e Macaé depois de participar da prisão de Duda, ¿possam estar sendo objeto de algum tipo de intimidação¿.

Antes deste ofício, outros documentos já demonstraram o tamanho da fissura interna. Em junho, o ofício 013 do então chefe do Núcleo de Operações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da PF-RJ, Lorenzo Pompilho da Hora, relatara suas críticas à condução da Operação Veraneio, em maio, iniciada em Foz do Iguaçu e concluída com a prisão dos ocupantes de um carro no Rio. Esperava-se apreender 20 quilos de cocaína e armamento sofisticado no veículo, mas os policiais só acharam cinco fuzis velhos. No ofício, o delegado estranha que um de seus chefes tenha acionado outras duas delegacias federais no Rio (Delepat e Delearm) para interceptar o carro, quando a operação era sigilosa e só deveria envolver a DRE.

O ofício demonstra, formalmente, o que já não é novidade dentro da PF: para investigar a reprimir o narcotráfico no Rio, a Polícia Federal conta com duas estruturas distintas, uma pertencente aos quadros da Superintendência Regional e outra paralela e ligada diretamente a Brasília. As duas não se entendem. No caso da Operação Veraneio, a ira do delegado Pompilho foi provocada por dois colegas, os delegados Ronaldo Magalhães Botelho, que chefiava o Grupo de Investigações Sensíveis (equipe de Brasília), e Roberto Prel, segundo na hierarquia da Superintendência do Rio, que teriam atropelado a equipe da DRE ao envolver outras duas unidades, com alto risco de vazamento, na ação.

A informação sobre a quantidade de drogas que seguiria para o Rio foi fornecida por dois agentes da DRE-RJ que monitoravam os supostos traficantes. O delegado de Brasília teria acusado os agentes de perder o seu alvo no Paraná, fato negado pelo delegado do Rio.

Uma semana antes, já haviam entrado em conflito por causa da apreensão de 280 quilos de maconha procedentes de Ponta Porá (MS) no Rio. No ofício 012, o delegado Pompilho da Hora afirma que a DRE não foi acionada para atuar na interceptação do carregamento, bem como teve negado o acesso aos dados produzidos pela escuta telefônica contra os envolvidos, embora tenha sido a responsável pelo pedido de interceptação na Justiça e a operação tenha ocorrido em área de sua jurisdição. ¿As condutas perpetradas neste ocorrido inviabilizaram a conclusão satisfatória, saudável e regular de qualquer diligência, sem falar nos riscos a que expõe os policiais desta unidade. E mais, não é o resultado institucional distorcido que autorizará a continuidade destas condutas¿, diz o ofício.

Os delegados do Rio não escondem a insatisfação com a ingerência da DEA, a agência anti-drogas americana, nas ações de combate ao narcotráfico desenvolvidas pela PF. Para eles, a DEA às vezes faz pressão para que a Polícia deixe a droga sair do país, porque fica mais fácil identificar as pessoas envolvidas na outra ponta do esquema, desmontando o acesso das cargas ao território americano. Isso explicaria o desentrosamento entre equipes e a falta (ou, em alguns casos, o excesso) de comunicação entre colegas.

Além disto, os delegados da DRE-RJ descobriram que alguns dos telefones da delegacia estiveram grampeados por 90 dias numa investigação conduzida pela Divisão de Doutrina e Inteligência, de Brasília. O pedido, autorizado pela Justiça, baseava-se num dado fornecido pelo Disque-Denúncia de que um dos agentes da equipe estaria por trás do desaparecimento de drogas do depósito da PF. A investigação apurou dados sobre o patrimônio pessoal do agente, mas não reuniu provas contra ele. Para os delegados responsáveis pela DRE, um simples telefonema ao Dique-Denúncia deveria servir como ponto-de-partida de uma investigação, mas jamais fundamentar um pedido de interceptação telefônica.

Inquérito deve denunciar Duda por apologia ao crime

Em agosto, o delegado Antônio Rayol, na ocasião chefe da DRE-RJ, foi transferido para uma delegacia tida como inexpressiva, a de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico. No mês seguinte, o mesmo aconteceu com seu principal assessor, o delegado Pompilho da Hora, e outros integrantes da equipe. Esperava-se o fim das divergências até que, em outubro, a nova equipe da delegacia fez sua primeira operação, que ganharia as manchetes dos jornais: a invasão da rinha do Recreio e as prisões de Duda Mendonça e do vereador Jorge Babú (PT).

Os responsáveis afirmam que não esperavam encontrar Duda, no clube do Recreio. O inquérito, em fase de conclusão, deverá denunciar Duda e outros indiciados por apologia ao crime e formação de quadrilha. Com o ofício enviado na sexta-feira, cabe agora à Justiça avaliar a necessidade de oferecer garantias aos investigadores.