Título: Reação industrial além dos juros
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 29/11/2004, Economia, p. 19

As empresas brasileiras estão fazendo de tudo para atender à crescente demanda dos consumidores. Contratação de novos turnos de trabalho, pequenas melhorias no processo produtivo e adiamento de paradas para manutenção são algumas das estratégias adotadas para ampliar a capacidade produtiva, numa dinâmica que, muitas vezes, passa ao largo das estatísticas econômicas. Enquanto analistas de mercado mostram preocupação com o elevado nível de utilização da capacidade instalada da indústria, e o próprio Banco Central (BC) menciona o risco de gargalos na produção como um dos motivos para subir os juros, economistas mais ligados ao chão de fábrica e os próprios empresários garantem que a indústria brasileira é, hoje, muito mais flexível.

André Carvalho, economista-chefe do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp, entidade ligada à Fiesp), lembra que mudanças tecnológicas proporcionaram um elevado grau de maleabilidade às indústrias. Hoje, é possível mudar a programação de maquinaria já existente ou fazer pequenos investimentos para solucionar gargalos no processo produtivo, ampliando a capacidade de forma muito mais rápida e barata do que a tradicional instalação de novas fábricas.

¿ O nível de utilização da capacidade instalada costuma ser interpretado como muito mais rígido do que é na realidade. A indústria pode, por exemplo, terceirizar processos de produção ou ocupar a capacidade ociosa de uma empresa parceira, resolvendo rapidamente o problema ¿ explica Carvalho.

Na semana passada, o BC citou a pouca ociosidade da indústria como ¿foco importante de preocupação¿, ao explicar a elevação dos juros básicos da economia pelo terceiro mês seguido ¿ a Taxa Selic subiu para 17,25% ao ano. O BC destacou que o nível de utilização da capacidade instalada está em 86,1%, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no maior nível desde 1990. Carvalho, do Ciesp, lembra que é preciso tomar cuidado ao se comparar os dados de hoje com referências passadas.

¿ A indústria brasileira passou muito tempo sem investimentir. Então, qualquer pequena aquisição de máquinas e equipamentos pode representar um salto estrutural. E a mudança no padrão tecnológico torna ineficaz a comparação histórica ¿ argumenta.

Tecnologia e gestão ampliam a capacidade

No segmento de papel e celulose ¿ que, tradicionalmente, opera 24 horas por dia e com elevada utilização da capacidade instalada ¿ a Aracruz é um exemplo de como, com pequenos ajustes, é possível ampliar a capacidade produtiva. Numa de suas fábricas no Espírito Santo, a empresa vai investir até 2006 cerca de R$ 270 milhões para aumentar sua produção de 700 mil para 900 mil toneladas de celulose ao ano, um salto de 28%.

¿ Sempre fazemos um estudo minucioso para diagnosticar qual etapa da fábrica está restringindo o aumento da produção. Em seguida, buscamos qual é o equipamento que limita a ampliação e, então, fazemos um investimento bem específico, adaptando esta máquina ou, se for o caso, substituindo ¿ explica Walter Lidio Nunes, diretor de Operações da Aracruz.

A empresa também vai destinar R$ 100 milhões à fábrica de Guaíba, no Rio Grande do Sul, para melhorias no processo produtivo, que permitirão ampliar a capacidade de 400 mil para 430 mil toneladas de celulose branqueada de eucalipto por ano. Nunes explica que, enquanto a instalação de uma nova fábrica exige um investimento de cerca de mil dólares por tonelada de celulose, melhorias pontuais têm um custo 50% menor.

A economista Luciana de Sá, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), lembra que há dificuldade metodológica para se analisar o indicador de utilização da capacidade instalada. Esse índice é calculado a partir das análises dos próprios empresários: são eles que respondem em qual percentual acreditam estar usando suas fábricas.

¿ É um indicador subjetivo, qualitativo, que parte da sensação dos empresários.

Por isso, diz Luciana, o mais correto é interpretar o nível de utilização da capacidade instalada como um indicador de tendência da indústria, e não como um limite ou um teto ao aumento da produção. A economista acrescenta que medidas simples podem criar capacidade produtiva muito rapidamente.

¿ Uma fábrica têxtil com potencial para produzir cem camisas por dia e que fabrique 80, em tese estaria com 80% de sua capacidade utilizada. Mas, se essa mesma empresa aumentar em um turno sua produção, sua capacidade dobra para 200 camisas.

O exemplo dado por Luciana é parecido com o que ocorreu na fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen de Resende este ano. Antônio Roberto Cortes, vice-presidente mundial da empresa, diz que no mês passado foram contratados 400 empregados para inaugurar o segundo turno da fábrica. A produção cresceu de 110 para 150 automóveis por dia e, agora, a Volks já estuda realizar uma nova ampliação, para 170 caminhões e ônibus por dia, a ser realizada no início do ano que vem. O investimento feito foi mínimo, entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões, apenas para adaptar máquinas e ferramentas para dois turnos.