Título: Em busca de equilíbrio de poder
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 29/11/2004, O Mundo, p. 25

Depois de um ano de discussões, serão apresentadas ao secretário-geral Kofi Annan na quinta-feira as propostas para a reforma da ONU, uma tentativa de dotar a organização de uma nova estrutura capaz de refletir a atual geografia do poder no planeta. Num relatório de 60 páginas, resultado do trabalho de um grupo de 16 notáveis indicados por Annan, um das propostas é a ampliação do Conselho de Segurança de 15 membros para 24. Esta é uma questão-chave, porque ali as crises internacionais são decididas. O conselho é objeto central de interesse do Brasil, candidato a se tornar seu membro permanente.

O grupo de estudos propõe duas fórmulas para a escolha dos novos membros do conselho. Numa delas, a preferida pelo Brasil, mais cinco países passariam a ser membros permanentes, além dos cinco atuais, que são Estados Unidos, França, Grã Bretanha, China e Rússia. Seria ampliado também de dez para 14 o número de países com presença rotativa no conselho, com mandatos de dois anos.

Sistema de veto continua como é atualmente

Na outra fórmula, além dos cinco atuais membros permanentes e dez rotativos, seria criado um grupo de cinco ou seis países semipermanentes, eleitos para mandatos de cinco anos, com possibilidade de serem reeleitos por mais cinco anos. Em qualquer das duas hipóteses, o poder de veto continuará nas mãos dos atuais cinco membros permanentes.

¿ Somos a favor da primeira solução porque a segunda criaria uma luta eleitoral permanente em todas as regiões do mundo ¿ disse o embaixador Ronaldo Sardenberg, chefe da missão brasileira na ONU.

Depois de apresentadas a Annan, as propostas serão levadas à Assembléia-Geral para aprovação dos 191 países-membros. Todos reconhecem a necessidade de alterar o conselho, mas a escolha do novo formato e dos novos membros vai gerar polêmica nos quatro cantos do mundo. Annan espera deixar como marca do seu mandato a alteração da Carta das Nações Unidas, o documento de quase 60 anos que criou a organização logo depois da Segunda Guerra Mundial. Esta seria uma maneira de dar fôlego novo à ONU, relativamente desacreditada desde que os EUA ignoraram o Conselho de Segurança e iniciaram a guerra no Iraque sem apoio da comunidade internacional.

A decisão de partir para uma reforma geral foi formalizada em setembro de 2003 na abertura da Assembléia-Geral da ONU, quando Annan reconheceu que a organização estava numa encruzilhada e anunciou a formação da comissão de alto nível, da qual participa o embaixador brasileiro João Batista Baena Soares.

¿ As possibilidades de o Brasil, junto com o G-4, chegar a membro permanente são concretas ¿ disse Sardenberg.

A expectativa de Brasília é que o relatório contemple essa reivindicação. Com isso, disse um diplomata no Itamaraty, será possível democratizar o sistema decisório na ONU.

Brasil se articula com Alemanha, Japão e Índia

Em setembro passado, na Assembléia-Geral da ONU, o Brasil criou com Alemanha, Japão e Índia o G-4, grupo de países candidatos a membros permanentes do conselho, deixando clara a necessidade de incluir um país africano para que os cinco continentes estejam representados. A candidatura brasileira já recebeu apoio da França e da Rússia. Quando esteve no Brasil, há aproximadamente dois meses, o secretário de Estado americano, Colin Powell, disse que os EUA apoiavam o Brasil, mas depois o Departamento de Estado, cautelosamente, declarou que o apoio dependia de propostas do grupo de notáveis.

Os problemas para chegar a um consenso são muitos nas várias regiões do mundo. Na África, a disputa por uma vaga está entre Egito, Nigéria e África do Sul. Na América Latina, México e Argentina questionam a liderança brasileira. Na Ásia, o Paquistão se opõe à Índia, e a China pode usar seu poder de veto contra o Japão. O Egito defende uma representação árabe e muçulmana no conselho. A Itália é contra a candidatura da Alemanha e sugere que a União Européia tenha um assento.