Título: TEMA EM DISCUSSÃO: POLÍTICA ANTIDROGAS
Autor: Sylvia Figueiredo Gouvêa
Fonte: O Globo, 25/11/2004, Outra opinião/Primeito Caderno, p. 6

NOSSA OPINIÃO

Na direção certa

A política de redução de danos à saúde é um claro passo na direção certa, mas é fundamental que se monte o esquema previsto de acompanhamento e tratamento dos usuários. Se for seguido à risca, o decreto a ser assinado pelo presidente Lula será um grande avanço no combate ao tráfico de drogas. O perigo é as boas intenções, como é comum, ficarem no papel.

Por certo não faz sentido jogar um dependente de drogas numa prisão superlotada, na suposição irracional de que, após cumprir sua pena, ele voltará à sociedade livre da dependência, quando o provável é que ele acabe se tornando um criminoso semelhante àqueles com quem foi forçado a conviver. Bem mais razoável é tratá-lo como doente.

Esta é a razão da criação do programa de supervisão médica, distribuição de seringas e abertura de espaços restritos para tratamento dos casos mais graves - estes de difícil execução. Não se deve, no entanto, cair na ingenuidade de imaginar que todos os usuários são vítimas, quando muitos consomem a droga nos fins de semana festivos, e assim financiam a indústria do crime que é o narcotráfico.

A repressão de fato deve ficar restrita aos traficantes, mas sem esquecer que alguns podem se fazer passar por consumidores, para se beneficiar da nova legislação. Também é comum que o usuário habitual se torne revendedor da droga, o que mostra como a questão tem nuances.

Por reconhecer esta realidade, rejeitando uma visão em preto e branco, a política de redução de danos promete ser um importante progresso. Essencial é que seja posta em prática com os pés no chão.

OUTRA OPINIÃO

Orientação

O momento é especialmente significativo para que duas instituições exerçam o seu papel na prevenção ao uso e abuso de drogas: a mídia, pelo seu enorme poder de informação, comunicação e influência, e as instituições escolares, onde se desenvolve a educação, dever do Estado e direito do cidadão.

Isso porque não parece ter sido ainda assimilado pela sociedade como um todo que, em 12 de fevereiro de 2004, através de amplo acordo entre os partidos na Câmara dos Deputados, foi aprovado o substitutivo ao projeto de lei nº 7.134, de 2002, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).

Uma das inovações em relação à legislação atual é o fim da prisão ou detenção do usuário de drogas. O artigo 28 do projeto aprovado, se, por um lado, significa um grande avanço da sociedade brasileira em direção ao tratamento adequado das pessoas que usam drogas, por outro, principalmente no início da sua implantação, poderá provocar abusos, desorientação e, provavelmente, até grande inquietação em segmentos da sociedade.

É importante ficar claro que não se está legalizando o porte e consumo de drogas e sim alterando, substancialmente, a figura do transgressor, entendendo ser ele pessoa que, em vez de criminosa, passa a ser considerada como alguém que precisa de ajuda e que deve ser tratado com vistas à sua reinserção social.

Transitando agora no Senado, caso seja aprovado e sancionado, certamente mudará, e muito, o comportamento tanto de portadores e usuários, como dos órgãos públicos e da sociedade em geral, como já ocorreu em alguns países europeus, que experimentaram, logo após a introdução de lei semelhante, um período inicial de grande desorientação.

O Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CNE/CP 09/03, já homologado pelo ministério, orientando as escolas, de ensino público e privado, a incluir nos seus projetos pedagógicos o tema de prevenção ao uso indevido de drogas.

Além das vantagens operacionais, a escola é uma forte referência de comportamento para os educandos e um importante canal de formação e de interação de valores. Para que um jovem possa lidar positivamente com uma situação de risco, ele precisa ser ajudado e ensinado, da mesma forma como aprende, em sala de aula, a ler, a fazer contas ou a compreender a evolução histórica da Humanidade.