Título: Annan sob ataque
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 01/12/2004, O Mundo, p. 34

O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, está acuado. Às vésperas de iniciar a discussão da reforma das Nações Unidas com que esperava marcar sua passagem pela organização, foi bombardeado por revelações incômodas sobre a atuação de seu filho no programa petróleo por comida para o Iraque. Por isso, colunistas de importantes jornais americanos ¿ ¿Wall Street Journal¿ e ¿New York Times¿ ¿ pediram sua renúncia e o representante dos EUA na ONU, John Danforth, colocou-o sob suspeita, ao evitar expressar sua confiança nele.

¿ Nós temos muito trabalho a fazer no próximo ano e é nisso que quero me concentrar. Óbvio que neste clima e com estas discussões sobre o petróleo por comida vai ser difícil ¿ reconheceu Annan anteontem, em entrevista na ONU.

Pressões também no front interno

Após uma semana fora, foi dura a chegada de Annan a Nova York. Ele se disse ¿muito decepcionado e surpreso¿ com a revelação de que seu filho recebeu até fevereiro deste ano US$ 2.500 por mês da empresa suíça Cotecna, contratada pela ONU para fiscalizar o petróleo por comida, programa sob três investigações. Até a semana passada, sabia-se que o filho de Annan, Kojo, pedira demissão da empresa suíça em 1998, o que já levara a acusações de conflito de interesses porque semanas depois a Cotecna ganhou, sem concorrência, um contrato com a ONU. Agora descobriu-se que continuou sendo pago por mais quatro anos, segundo a Cotecna, para não trabalhar para concorrentes.

¿ Reconheço que esses pagamentos criam uma percepção de conflito de interesses e malversação de dinheiro. Evidentemente, tenho calorosas relações com meu filho, mas trabalhamos em campos diferentes. Ele é um homem de negócios, independente, e não se envolve nas minhas atividades nem eu nas dele ¿ afirmou.

O problema é que Annan já dissera que as relações entre a Cotecna e seu filho haviam passado pela investigação da comissão independente que apurava as acusações de fraude do programa e nada de errado fora encontrado. Mas Paul Volcker, o encarregado das investigações, disse que sabia dos pagamentos desde agosto.

¿ Vamos ser pacientes e deixar Volcker completar as investigações ¿ pediu Annan.

Ontem, o porta-voz da ONU, Fred Eckhard, voltou a dizer que a organização não sabia que o filho de Annan continuava recebendo pagamentos da Cotecna e que, a pedido de Annan, a relação com a empresa foi investigada pelo subsecretário da ONU para Administração, Joseph Connor, para saber se havia conflito de interesses.

¿ Nada foi encontrado ¿ disse o porta-voz.

Annan é acusado também de tentar encobrir o escândalo e esconder informações. O petróleo por comida foi criado para permitir que o Iraque de Saddam Hussein pudesse vender petróleo para importar alimentos e medicamentos, mas a brecha nas sanções se tornou fonte de corrupção e enriquecimento ilícito. Cerca de US$ 10 bilhões teriam ido parar nas mãos de empresários, funcionários da ONU, do próprio Saddam e de ex-membros do governo iraquiano. A Cotecna foi encarregada de inspecionar, entre 1999 e 2003, se as mercadorias que entravam no país estavam de acordo com o programa. Além da ação da comissão da ONU, uma investigação está sendo feita pela Secretaria de Justiça de Nova York e outra por um comitê da Câmara de Representantes.

Annan está sob pressões também no front interno. Há alguns dias, ele precisou evitar que funcionários da ONU aprovassem uma moção de censura contra ele por não ter apurado acusações de assédio sexual envolvendo o alto comissário da ONU para Refugiados, Rudd Lubbers. Para culminar, um livro sobre orgias nas missões de paz da ONU, escrito por três funcionários e lançado em junho, vai virar uma série de televisão.