Título: Fogo mais do que amigo
Autor:
Fonte: O Globo, 25/11/2004, Primeiro Caderno, p. 3

Mercadante, líder de Lula, e João Paulo, presidente da Câmara, atacam governo

A desagregação da base governista e o excesso de medidas provisórias, que paralisaram por mais de três meses a pauta do Legislativo, puseram ontem o Planalto no alvo das críticas da cúpula do PT no Congresso. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), subiu à tribuna para protestar. Na incômoda situação de ter que apelar aos colegas para votar seis medidas provisórias numa única tarde, fez um discurso de críticas ao exagero do governo na edição de medidas. Mesmo incômodo que vem sendo manifestado nas últimas semanas pelo presidente da Câmara, o também petista João Paulo Cunha (SP).

- O governo não governa, ninguém sabe por que não se vota aqui. Eles dizem que é problema no governo, mas ninguém fala qual é o problema; e o governo não se mexe - disse a líderes, numa conversa informal.

O senador desabafou na tribuna:

- Não me sinto à vontade para subir à tribuna e pedir à oposição para votar. Com que argumentos vou convencer os senadores? Essa situação chegou ao limite. Como ser líder nessas condições? Qualquer um e em qualquer governo ficaria exposto - reclamou Mercadante, que apelou ao governo para reduzir o uso desse instrumento e pediu mudanças no rito de tramitação.

O líder do governo no Senado foi para o plenário preparado para criticar o abuso do governo no uso de medidas provisórias. Tanto que, enquanto ele afirmava que quase a metade das medidas editadas nos últimos dois anos poderia ser evitada, era distribuído um levantamento encomendado pelo líder a assessores do Senado, mostrando que das 123 medidas provisórias de Lula nos dois anos de governo, 59 seriam inapropriadas ou discutíveis. Ou seja, tratam de assuntos que poderiam ser encaminhados por outro instrumento, como um projeto de lei. Em 2004, o presidente assinou 65 medidas provisórias, sete a mais que em 2003. Das propostas assinadas em 2004, segundo o estudo do líder, só 31 eram indispensáveis.

- Faço um apelo ao governo para reduzir o número de MPs. Há margem para isso e é necessário. Há medidas provisórias que não são urgentes nem relevantes e não deveriam ter sido editadas - disse o senador.

Mercadante critica lentidão na Câmara

Mercadante também criticou a lentidão dos deputados, que tiveram 120 dias para apreciar as propostas, mas só fizeram isso no prazo final, sem margem para o Senado discutir as medidas.

Responsabilidade que João Paulo Cunha não assume, dizendo repetidamente que já fez tudo que foi possível para fazer os deputados votarem em ritmo mais acelerado. Em declarações públicas, o presidente da Câmara reclama que o governo precisa arrumar a base, pois já chegou ao seu limite para tentar um acordo na Casa.

Desde terça-feira João Paulo tem conduzido as sessões com muita irritação diante da resistência, principalmente do PMDB, a suspender a obstrução. Ele diz que não há mais motivos para a rebelião, e que ninguém deixa claro exatamente qual é o problema que precisa ser resolvido para que as votações deslanchem. Ontem, ele apontou um dos possíveis problemas.

- O líder do PMDB, José Borba, precisa explicar aos brasileiros por que está fazendo operação padrão. Ele reclamava da liberação das emendas do Orçamento e o governo atendeu tudo. Era contra a reeleição na Câmara e Senado, foi atendido. O que está faltando? Por que não querem votar? - desabafou.

Na sessão de ontem , com plenário vazio, foi votada por acordo de líderes apenas uma das 18 medidas provisórias que ainda trancam a pauta. O plenário precisa votar as 17 restantes antes de incluir na ordem do dia outros projetos importantes como as leis de Falências e a de Biossegurança.