Título: Máquina de gastos
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 06/12/2004, O País, p. 3

Nem com a rigidez do ajuste fiscal o governo Lula conseguirá cumprir uma das promessas feitas no início do seu governo: a redução dos gastos com a manutenção da máquina e o pagamento de pessoal. Em vez de reduzir essas despesas, o governo petista está gastando mais para manter a máquina. Os ministros não conseguiram reduzir gastos com energia elétrica, telefones e contratação de consultorias, como prometeu o ex-ministro do Planejamento, Guido Mantega, atual presidente do BNDES. Na ocasião, ele falava em economizar, com a chamada terceirização de serviços, entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões.

No geral, os gastos permaneceram praticamente os mesmos em relação ao governo passado e, em alguns casos, foram maiores. O governo gastou este ano, entre janeiro e 1 de dezembro, R$ 485,9 milhões com energia elétrica, 11% a mais do que no mesmo período de 2002, já descontado o aumento das tarifas nos últimos dois anos. Os gastos com serviços de telecomunicações ¿ telefones, internet e outros ¿ foram 10% superiores aos do governo passado no mesmo período.

¿ O aumento desses gastos preocupa. O governo deveria economizar em gastos correntes para sobrar mais dinheiro para investimentos ¿ comentou o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.

Um dos poucos itens em que o governo é mais econômico é nos convênios com organismos da Organização das Nações Unidas. Estes programas sempre foram usados para contratar funcionários terceirizados, sem vínculo formal com o serviço público. Mas dentro do projeto de reduzir os terceirizados e contratar por concursos públicos, o governo conseguiu diminuir em 48,5% os gastos com estes convênios. Em 2002 foram gastos R$ 121,1 milhões e, em 2004, R$ 81,5 milhões.

Em compensação, o gasto com a folha do funcionalismo para o ano que vem estimado no Orçamento da União vai passar de R$ 83,9 bilhões este ano para R$ 96,5 bilhões, um aumento real de 15,02%.

¿ O governo mudou a política em relação ao funcionalismo, o que contribui para o aumento desse tipo de gasto ¿ disse Velloso.

Os dados foram extraídos da execução orçamentária registrada até 1 de dezembro no Sistema de Administração Financeira (Siafi).

Impostos estão sustentando o superávit

Para outros especialistas, a mudança na política para o funcionalismo é coerente com a orientação do governo, que defende o fortalecimento do serviço público, entendida como a contratação de pessoal por meio de concurso e o atendimento a reivindicações salariais. Mas essa orientação, segundo o economista Francisco Flores, é preocupante, porque caso a economia pare de crescer a arrecadação de impostos murcha, mas os gastos com a máquina não diminuem. Segundo ele, o que está garantindo ao governo cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e conseguir manter o superávit de 4,5% é a a excessiva carga de impostos que está recaindo principalmente sobre a classe média.

¿ Não há mágica. Se aumenta o gasto, alguém tem que pagar a conta. E essa conta está sobrando para a classe média pagar com mais impostos ¿ disse o economista.

No caso da energia elétrica, o ministério mais gastador este ano foi o da Defesa, que tem diversas unidades pelo país e por isso já desembolsou R$ 110 milhões até agora com as contas de luz. O MEC, que também custeia energia para as universidade públicas, gastou R$ 100 milhões; o Ministério da Fazenda, R$ 37,6 milhões; e Agricultura, R$ 19,1 milhões. O Ministério de Minas e Energia ¿ entre os maiores ¿ foi um dos que menos gastaram: R$ 3 milhões. As pastas da Fazenda e da Agricultura têm delegacias em todos os estados.

Nos serviços de telecomunicações, a Presidência da República já gastou este ano R$ 10,5 milhões, enquanto em 2002 foram gastos R$ 9,6 milhões, já descontado o aumento de tarifas. Entre os ministérios que mais gastam com ligações telefônicas no atual governo está a Fazenda, com despesas de R$ 85,9 milhões, mas neste caso, em sua maior parte, com o processamento de Imposto de Renda e outros documentos da Receita. Em seguida vem o ministério da Saúde, com gastos de R$ 36,3 milhões; da Previdência, com R$ 24,4 milhões; do Trabalho, com R$ 23,9 milhões; e da Defesa, com R$ 10 milhões.

O único gasto que teve redução drástica no atual governo foi com serviços médico-hospitalares, odontológicos e laboratoriais. No último ano do governo passado, entre janeiro e dezembro, foram gastos R$ 4 bilhões, enquanto este ano os gastos chegaram a R$ 1,7 bilhões. Segundo o ministério da Saúde, o atual governo está repassando recursos diretamente para os estados para cobrir a rubrica.