Título: Arquivos salvos a caminho da fogueira
Autor:
Fonte: O Globo, 14/12/2004, O País, p. 3

O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, admitiu ontem, em entrevista ao ¿Jornal Nacional¿, que foi encontrada nova pilha de documentos que seria queimados na Base Aérea de Salvador. Na véspera, em resposta a uma denúncia do ¿Fantástico¿, da Rede Globo, a Aeronáutica informara que não tinha mais documentos sigilosos referentes ao período militar. Pressionado, o brigadeiro determinou ontem a abertura de um inquérito policial-militar (IPM) para investigar a destruição de documentos produzidos por órgãos de informação da Aeronáutica, da Marinha e do Exército na base aérea.

¿ Hoje (ontem), foi encontrada na Base Aérea de Salvador uma nova pilha de documentos intactos, que estavam prontos para ser queimados ¿ disse Bueno.

Esses novos documentos estavam perto do lugar em que outros papéis foram incinerados na Base Aérea de Salvador, segundo o ¿Fantástico¿. O programa obteve 78 fragmentos de fichas, prontuários e relatórios que teriam sido produzidos ou recebidos pela base. Entre eles estariam prontuários de pessoas consideradas subversivas pelos órgãos de repressão, com relatórios sobre suas atividades, relatos de ações militares e de comunicação internas. Parte do material seria da Secretaria de Ordem Política e Social da Bahia. Os documentos incinerados na base teriam sido produzidos entre 1964 e 1994.

Bueno disse que ficou surpreso e decepcionado com o episódio:

¿ Fiquei absolutamente estarrecido, porque a Aeronáutica tem procurado contribuir ao máximo com a imprensa e com o governo, buscando apoiá-lo em todos os setores, principalmente nessa parte de pesquisa de documentos. Vamos chamar assim, de documentos que podem se tornar históricos. E ontem (domingo) fiquei muitíssimo estarrecido ao ver aqueles documentos sigilosos jogados e semicarbonizados.

Base negara queima de documentos

Anteontem, a Base Aérea de Salvador negara ter havido queima de documentos em suas dependências. E a Aeronáutica informara, em nota, que não tinha arquivos do período militar guardados em suas unidades, pois todos teriam sido destruídos no incêndio do Santos Dumont, em 1998.

Ontem à tarde, o ministro da Defesa, José Alencar, conversou com Bueno. Alencar concorda com a necessidade de apurar o que aconteceu:

¿ O comandante quer fazer uma investigação e de minha parte está autorizado a fazer ¿ afirmou Alencar

Segundo nota divulgada ontem pelo Comando da Aeronáutica, o comandante da Base Aérea de Salvador não determinou a destruição de documentos referentes ao período da ditadura em suas instalações. Na nota, a Aeronáutica afirmou ainda que não há ¿documentação classificada¿ a respeito do período militar arquivada naquela base. O IPM deverá ser comandado por um oficial-general. Bueno disse ainda que não vê contradição entre a apuração do caso e as informações prestadas por seus comandados:

¿ Primeiramente, o espaço da base aérea foi invadido, sem permissão, como a própria emissora informou, e havia ali, como a emissora afirmava, documentos sigilosos. E esses documentos estavam agredidos, ou seja, havia parte deles consumida pelo fogo. Então, temos que procurar localizar de onde vieram, quem os queimou e por quê. Não vejo contradição.

O comandante disse que não tem certeza se existem documentos sobre pessoas investigadas pela Aeronáutica durante o regime militar.

¿ Não posso garantir. No dia 30 de novembro determinei que o chefe do Sistema de Informações da Aeronáutica continuasse pesquisando para verificar a possibilidade de se localizar qualquer tipo de documento que possa facilitar a história desse período ¿ disse Bueno, informando que, se forem encontrados documentos, eles serão arquivados e ficarão à disposição do Ministério da Defesa.

O brigadeiro disse ainda não saber quem pode ter interesse em destruir os documentos. A nota da Aeronáutica afirma também que "o método empregado para a destruição da documentação, apresentado na reportagem, é totalmente incompatível com aqueles estabelecidos pelas normas regulamentares da Aeronáutica para incineração de documentos oficiais".