Título: Presidente do STF defende a legalização do aborto
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 14/12/2004, O País, p. 4

Uma semana após o governo anunciar que pretende rever as regras que autorizam o aborto no país, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, não mediu palavras ontem e disse que é favorável à legalização da prática.

¿ A discussão é fundamentalista. Há problemas religiosos para uns, o que é democrático, e outros acham que não ¿ disse o ministro. ¿ Sempre fui favorável ao aborto ¿ afirmou o ministro, que defendera a legalização na Constituinte, em 1988.

"Há um apenamento das pessoas de baixa renda¿

Para Jobim, é melhor autorizar o aborto do que permitir que, na ilegalidade, as mulheres lancem mão de práticas inadequadas que provocam problemas muito maiores. Ele diz que, com a proibição, perdem as mulheres pobres que, sem dinheiro, utilizam métodos clandestinos pouco seguros para interromper a gravidez.

¿ As pessoas de baixa renda acabam fazendo aborto de qualquer jeito, ao passo que outros não. Então, tem um apenamento das pessoas de baixa renda ¿ observou.

Jobim comparou o debate sobre aborto às discussões travadas com a Igreja quando o Congresso, nos anos 70, apreciava o projeto de lei que instituía a Lei do Divórcio.

¿ É igual à discussão do divórcio. Parecia que todo mundo (que se manifestava a favor) era vagabundo ¿ afirmou, para em seguida completar com um exemplo que considera radical nos debates sobre a legalização do aborto:

¿ Para os contrários ao aborto, aqueles que são favoráveis querem matar a criança.

Semana passada, ao divulgar a política nacional para a mulher, a secretária Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, revelou que o governo pretende rever a legislação que hoje trata o aborto como crime. Será constituída uma comissão com representantes do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil para, a partir de janeiro, propor a revisão da lei.

¿Descompasso entre avanço da ciência médica e a lei¿

A intenção do governo é assegurar assistência a mulheres que sofrem complicações decorrentes da interrupção voluntária da gravidez. Nilcéa defende que seja incluída na legislação permissão para interrupção da gravidez nos casos de fetos com anencefalia e sem chances de sobreviver.

O aborto nessa situação ainda está sendo analisado pelo STF. O ministro Marco Aurélio de Mello já concedeu liminar autorizando a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, mas a liminar foi cassada pelo plenário do tribunal. O mérito do assunto ainda será apreciado.

Nilcéa considera um anacronismo a proibição ao aborto nessa situação.

¿ No caso da anencefalia, a secretaria tem uma posição favorável clara, entendendo como uma questão de direitos humanos da mulher. Só as mulheres podem entender a dor de uma situação como esta. A proibição de interrupção da gravidez neste caso é um descompasso entre o avanço da ciência médica e a lei ¿ afirmou Nilcéa na semana passada.