Título: Descaso com a História: arquivos ao relento
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 17/12/2004, O País, p. 3

Por solicitação da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, o Ministério Público gaúcho apreendeu ontem milhares de documentos com carimbos de secreto e confidencial, todos eles relacionados a um dos períodos mais duros do regime militar. Os papéis estavam abandonados no sítio que pertenceu a Tarso Dutra, ministro da Educação de 1967 a 1969 no governo Costa e Silva e falecido em 1983. O sítio fica em Eldorado do Sul, perto de Porto Alegre.

¿ Encontramos esses documentos, extremamente valiosos pelo seu conteúdo histórico, em total abandono e desleixo com sua guarda ¿ disse o subprocurador-geral de Justiça no Rio Grande do Sul, Mauro Henrique Renner, enquanto comandava a apreensão dos documentos com uma equipe da Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos, técnicos e arquivistas.

Documentos estavam jogados no chão e espalhados pelo pátio

Os documentos, que após a morte de Tarso Dutra foram levados para o sítio em um cofre de aço, foram encontrados jogados no chão e parte deles até mesmo distribuído pelo pátio da casa, que nos últimos meses se tornara abrigo de mendigos.

Os papéis revelam procedimentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) contra professores e estudantes e descrevem as atividades do 4 Congresso Latino-Americano de Estudantes. Entre muitos boletins da Divisão de Informação e Segurança do Ministério da Educação e as chamadas fichas-conceito do SNI analisando o perfil das pessoas investigadas, também foram encontrados documentos sobre os desdobramentos da prisão de 739 estudantes em Ibiúna (SP), em 12 de outubro de 1968. Entre os presos estava o atual chefe da Casa Civil, José Dirceu.

O abandono dos documentos foi denunciado na edição de ontem do jornal ¿Zero Hora¿. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia gaúcha, deputado Fabiano Pereira (PT), juntamente com os deputados Adão Villaverde e Flávio Koutzii, também do PT, fizeram uma representação ao Ministério Público pedindo a apreensão. O Ministério Público conseguiu então a autorização dos filhos de Tarso Dutra, Linda Alba e Paulo de Tarso, para recolher os documentos.

O Ministério Público decidiu que somente entregará os papéis à Comissão do Acervo da Luta contra a Ditadura após uma cuidadosa análise de todo o material recolhido, o que espera fazer em dez dias.

¿ Vamos selecionar e analisar a documentação e fazer um cadastramento para saber exatamente seu conteúdo e também para separar documentos de ordem familiar, que serão devolvidos à família do ex-ministro. Somente depois disso é que enviaremos o material à Comissão do Acervo ¿ informou Mauro Henrique Renner.