Título: Mulheres pobres têm maior déficit alimentar
Autor: Cássia Almeida e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 17/12/2004, Economia, p. 28

As mulheres pobres, da zona rural e do Nordeste, são as mais afetadas pela desnutrição entre adultos no Brasil. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) mostra que, nas faixas de renda familiar per capita até R$ 400, a incidência de déficit de peso entre as mulheres supera os 5% considerados aceitáveis por padrões internacionais. É de 8,5% nos rendimentos até R$ 50 e de 6,4% nas rendas entre R$ 50 e cem reais. Nos domicílios rurais do país, 6,1% das mulheres têm déficit de peso. No Nordeste, este patamar alcança 7,2%.

Fica clara também a diferença no acesso aos alimentos quando se compara a quantidade de calorias ingeridas nas famílias pobres e ricas. Nos domicílios com renda per capita de até R$ 50, o consumo médio dos indivíduos é de 1.485 quilocalorias por dia. Já nas famílias com renda acima de mil reais, essa quantia sobe para 2.075 quilocalorias.

Os técnicos do IBGE explicam que esse consumo realizado dentro do domicílio é complementado por refeições fora de casa e, por isso, há baixa incidência de desnutrição no país. Afinal, a recomendação da FAO, agência de alimentação da ONU, para o consumo médio do adulto brasileiro é de 2.300 quilocalorias por dia.

¿ Certamente, essa população mais pobre está buscando a cada dia complementar sua dieta. E ainda assim, há mais de 8% de mulheres pobres desnutridas, evidenciando a dificuldade de acesso ao alimento ¿ afirmou o professor da USP, Carlos Alberto Monteiro.

Cerca de 12% das jovens estão abaixo do peso ideal

A desigualdade no consumo também aparece quando se leva em conta os gastos das diferentes famílias com alimentação fora do domicílio. Os mais pobres comem menos em casa e gastam proporcionalmente menos com refeições na rua. Levantamento feito pela mesma POF mostra que, nos domicílios com renda familiar até R$ 400, 11,8% das despesas com alimentação são fora de casa. Nas famílias com renda total acima de R$ 4.000, são 37,1% dos gastos.

¿ A ingestão de 1.485 quilocalorias é muito pequena, é só dois terços das necessidades de um adulto. E os gastos com refeição fora do domicílio também são baixos. Como não há uma grande parcela da população com déficit de peso, podemos concluir que os pobres estão complementando sua alimentação no trabalho, na escola ou em redes de proteção social, como os restaurantes de R$ 1 ou o sopão ¿ diz o agrônomo Fernando Gaiger.

Ele acrescenta que há uma parcela significativa da população cuja renda é insuficiente para comprar a quantidade de alimentos necessária. Segundo a POF, 15,2 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 50 por mês entre 2002 e 2003. E outras 23,7 milhões estão em famílias com renda per capita entre R$ 50 e R$ 100. Essas pessoas, afirma Gaiger, estão em risco alimentar:

¿ São famílias que se alimentam hoje, mas não sabem se vão ter o que comer amanhã. Nesse sentido, políticas emergenciais como o Fome Zero são de enorme importância.

A magreza nas mulheres entre 20 e 24 anos também chamou a atenção. São 12,2% das jovens abaixo do peso ideal. Há duas explicações para o fenômeno. O primeiro, segundo Monteiro, é o corpo em formação. Segundo ele, nos Estados Unidos, esse percentual flutua entre 8% e 10% da população nessa faixa etária:

¿ E lá não há falta de alimento. Na juventude, os mais magros são comuns.

Outra explicação está nos padrões de beleza impostos pela mídia, que leva às jovens que comerem menos.

Os homens mais velhos, de 75 anos ou mais, também vivem em situação de risco: 8,9% estão abaixo do peso. Doenças crônicas que debilitam os idosos explicam a taxa, que é o dobro da média da população.