Título: Quando o alimento vem do quintal
Autor: Luciana Rodrigues, Ismael Machado, Letícia Lins
Fonte: O Globo, 17/12/2004, Economia, p. 29

As doações, a coleta da natureza e o cultivo próprio aparecem com freqüência na mesa dos brasileiras. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) levantou o percentual de alimentos consumido pelas famílias sem o uso de dinheiro, a chamada aquisição não-monetária. No Norte, 51,4% da ingestão de coco, castanhas e nozes não envolvem dinheiro, sendo que 33,2% não vêm nem de doação nem de cultivo próprio, indicando que são extraídos diretamente da natureza.

No Nordeste, não é preciso ir muito longe para ver o peso da produção própria de alimentos na dieta dos mais pobres. Residindo em Pombos ¿ a 64 quilômetros de Recife ¿ a família de José Severino Farias, de 79 anos, é um exemplo. À exceção do arroz e da carne consumida ¿de vez em quando¿, a maior parte da alimentação básica do lavrador, da mulher Ana Maria e das duas netas que moram com eles vem do fundo do quintal. Eles residem no sítio Várzea Grande, onde têm fruteiras, sustentam a vaquinha Maravilha, que fornece o leite dos quatro, e colhem a mandioca usada para produção da farinha consumida pela casa.

Com as secas, lavrador desistiu de plantar para venda

Na última quinta-feira, eles trabalhavam descascando a mandioca que seria enviada para moer numa casa de farinha próxima, o que, segundo Ana, garantirá o abastecimento da família por três meses. No terreno onde fica a casa dos lavradores, há fruteiras como cajueiros, mamoeiros, goiabeiras, jambeiros e coqueiros.

Segundo Farias, essas são as frutas consumidas pela família. Ele diz que já plantou muito para comercializar na feira, mas que com as secas constantes foi se descapitalizando e terminou por plantar ¿só pro gasto¿.

¿ Já foi o tempo que vendia muita coisa na feira. Agora o que a gente colhe só dá para a casa mesmo. Quando cai uma chuvinha, a coisa melhora porque a gente tira um feijãozinho verde, um quiabinho, um jerimum gostoso, mas tudo pra gente mesmo ¿ diz José Farias.

No pequeno curral, só dois animais: a vaca Maravilha e o bezerro Boneco. Maravilha garante o leite da família.

Pela POF, no Nordeste, 13,1% dos laticínios consumidos têm origem na produção própria das famílias. Outros 13% vêm de doação. Na região mais pobre do país, também são doados 11,9% dos alimentos preparados ingeridos pelas famílias. Defronte da casa de José, a situação não é muito diferente: a família de Terezinha Alves da Silva, de 55 anos, vive da agricultura. O marido trabalha em um sítio e ela complementa a renda familiar raspando mandioca, para fornecer a uma casa de farinha. A renda extra pode chegar a R$ 225 ao mês. Mas ela tira também do quintal as únicas frutas consumidas pela família: banana, coco, pitanga e caju.